Prólogo – Vagabundagem
“Enquanto os dias e noites passam, nós falhamos em alcançar a verdade.”
Não sei de onde eu onde eu tirei essa frase, não sei seu verdadeiro significado e não me preocupo em saber algo do tipo. É grande a probabilidade de que eu tenha me entorpecido em relação à essa fração da realidade, em uma tola tentativa de me reafirmar como um ser humano comum e livre de qualquer tipo de responsabilidade por ser extraordinário. Sabe como é, teoria do homem extraordinário de Dostoiévski, se algo impede algum progresso para a humanidade, esse algo deve ser eliminado. Quem faz esses progressos são os homens extraordinários, logo, isso implica que a responsabilidade de ter o progresso da humanidade lhe é imposto. Sem o menor tipo de consideração, sem a menor piedade.
Talvez eu esteja fugindo um pouco do assunto em questão, mas deixe assim. Prefiro que seja chamado de “pensar demais”. Enfim, tudo o que eu quero é uma vida de paz e tranquilidade para mim e para os outros, sendo esse desejo representado por um belo ato de altruísmo: vagabundear em casa. Tem algo melhor que isso? Se tiver, só pode ser uma tsundere peituda. Tsundere peituda é a vitória definitiva na vida.
Às vezes, nós fechamos nossos olhos pra verdade em prol de negar as “anormalidades” que nos cercam, tal como fantasmas ou algo do tipo. Vê quem quer, não vê quem não quer. O que lhe for mais conveniente é o que se faz, creio eu. Não que deva ser feito. Agora, o que é anormal e o que é normal, em realidade? O que é o que não é? Isso é algo que eu não sei e me recuso a saber. A ignorância é uma benção. A partir do momento em que eu souber de algo, eu tenho que fazer algo em relação à esse algo, mesmo que seja nada. Ovos saem do orifício anal das galinhas, isso é nojento, logo, eu não como mais ovos. Simples e complicado assim.
Eu não quero alcançar a verdade. Eu quero saber o que ela é. Em prática, as duas coisas são as mesmas. Em teoria, elas são praticamente opostos. Quero dizer, alcançar a verdade significa ter posse da mesma, ter certeza e domínio sobre a mesma, enquanto que saber o que a verdade é significa impor uma distância considerável entre você e a verdade. Eu só quero saber o que ela é, eu não quero conhecer ela. Eu sou um teórico, basicamente.
Ou era isso que eu achava.
Ao meu ver, a verdade é algo inconsistente, variável, parcial e passível de interpretações diferentes, pois ninguém é igual, ninguém passou pelas mesmas experiências. Em suma, a verdade é a interpretação que uma pessoa tem da realidade. A verdade é sua opinião, a verdade é a minha opinião.
Enfim, não é como se eu fosse fazer algo em relação à verdade, porque ela é um conceito, nada além disso. Um simples conceito criado por humanos para humanos, algo que amo. Quero dizer, sem os conceitos criados pelo ser humano, a loucura seria generalizada. Por isso, eu amo minha mente acima de tudo. Ela me dá a resolução de não mexer em coisas que não devo. Ela protege meu estilo de vida.
De novo, não é como se eu fosse fazer algo em relação à isso.
Dito tudo isso, eu chego à conclusão de que minha vida está completamente errada. Talvez seja filosofia barata, talvez seja a descoberta do século ou talvez seja apenas uma desculpa para me atrasar pra escola de novo.
Talvez hoje eu terei arrependimentos e autodepreciarão aos montes, por ter me atrasado. Afinal, aconteceu uma das coisas mais imprevisíveis e tristes ao meu estilo de vida e filosofia.
Vamos por partes. Kuromi Yukiko é amplamente conhecida por sua beleza incomparável, inteligência acima da média, saber como vadiar nas aulas de Educação Física e por ela ser inalcançável. Quando eu digo inalcançável, eu realmente quero dizer isso. É impossível de se falar com ela e é improvável que ela vá responder à qualquer contato visual. Ela aparenta ser uma pessoa bem consistente, emocionalmente falando. Ou é o que ela quer aparentar.
Quero dizer, é raro que esse tipo de garota não seja popular entre homens e mulheres, afinal, ela não causa problemas à ninguém, ela é bonita, inteligente e tem classe. Não é como se eu tivesse algum tipo de sentimento colorido por ela, eu simplesmente a vejo como alguém quase semelhante à mim. Tirando o fato da inteligência e da beleza, é claro. Eu a admiro por ela conseguir o que eu nunca vou conseguir: vadiar discretamente.
Esse é o meu primeiro ano, admito que sou inexperiente com tudo e nada, ao mesmo tempo. Não conheço ninguém à ponto de dizer que sou “amigo” de alguém. Simplesmente mantenho meu espaço, meu muro e meu mundo em segurança. Assim, eu posso vadiar descaradamente e ninguém terá coragem de me reprimir ou algo do tipo. Não que isso me mantenha longe dos olhares de todos. E é exatamente por isso que eu admiro a Kuromi. Ela não sofre de bullying, ela não faz nada além de ler e dormir e ela faz basicamente nada. Mas, por manter sua antipatia em níveis astronômicos, ninguém a importuna.
Nós nos sentamos um ao lado do outro na sala de aula, e só eu levo broncas dos professores. É assim que a vida é, é assim que a vida sempre será. Talvez eu deveria falar com ela. Ou melhor, fazer como ela.
De qualquer forma, não é como se daqui a 10 anos eu me lembre de qualquer pessoa do meu ensino médio. Provavelmente eu vou estar em um emprego ganhando o suficiente pra me sustentar e vou viver e morrer como um solteiro. Virgem, se preferir.
Enfim, era 28 de maio. Eu estava subindo as escadas alegremente, pois eu sabia que ia perder o primeiro horário na sala dos atrasados, logo, não faria nada além de ler um livro ou algo do tipo. Mesmo se alguém estivesse lá, eu simplesmente ignoraria. A vagabundagem não pode ter limites. Ela tem que abranger todo e qualquer campo do ser humano. Seja social ou corporal. Tirar a vagabundagem do mundo é como tirar a mãe de uma criança. É algo que não se faz.
Com uma expressão séria no rosto, eu abro a porta da sala dos professores. Um suspiro do professor de matemática do terceiro ano que já não me era estranho quebrou a tensão na sala.
“De novo, é?”
“Sabe como é.”
Ele se levanta de sua cadeira e me guia até a minha amada sala de paz, meu travesseiro de esperanças em um mundo obscuro guiado por pessoas que aproveitam suas juventudes de forma burra e sem objetivo.
Quando chegamos lá, me deparo com uma tranquila e calma Kuromi. Ela olha de relance para mim e volta a pôr seus olhos no seu livro. Eu me sento à uma distância média dela, afinal, se eu me sentasse muito perto, seria irritante para mim e para ela e se eu sentasse muito longe, pareceria que eu queria chamar a atenção dela para mim usando de psicologia reversa. Realmente, sentar em um lugar numa sala praticamente vazia requer conhecimento.
Um silencio anormal cobriu a sala. Uma sensação de que eu já tinha passado por tudo isso se instalou na minha mente. Eu não consigo lembrar o que aconteceu ontem e não sei quais são as aulas de amanhã, o que vai passar na televisão amanhã. Como se qualquer dia que não fosse hoje não existisse. Bem, não é como se isso afetasse meu estilo de vida. Falando a verdade, seria até melhor pra mim.
O primeiro período finalmente acabou, pela graça de Deus! É pra glorificar de pé, irmãos!
Como ambos eu e Kuromi temos nossas esquisitices e barreiras sociais, eu me levantei com os olhos fechados, evitando olhar para ela. Ando calmamente até a porta e desço o primeiro lance de escadas e olho pra cima de relance. Vejo um aviãozinho de papel com algo escrito nele. Naturalmente, eu pego ele e leio o que está escrito.
[O que é o tempo, é? Pergunta interessante. Eu diria que o tempo é um paradigma que o ser humano inventou em prol de si mesmo. É um jeito de marcar os fatos. O fato da queda de um imperador, da morte de um pai, de tirar um palitinho premiado em um picolé, de uma célula morrer. Tempo é basicamente sinônimo de fato. Basicamente nós vivemos e viveremos “agora”, porque o mundo não muda. Se mudasse, seria contra a conservação de energia e massa. Lavosier, sabe?]
Escrevo isso em um papel separado e jogo o aviãozinho para cima. Surpreendentemente, a Kuromi estava ali em cima. Olhando para mim. Esse foi o nosso primeiro contato. Por 5 segundos, ela olhou para mim. Não pra ver quem entrava pela porta ou outro motivo casual, simples e óbvio.
Ou assim eu pensava.
Ela pega o aviãozinho de papel e lê o que eu escrevi. Um sorriso cheio de satisfação se abriu em seu belo rosto. Eu me direciono até o próximo lance de escadas, fora do olhar da Kuromi, porque estava de saco cheio da socialização e esforço necessário pra manter a mesma. Pelo o que eu ouvi, ela fez o mesmo.
Até que ela tropeçou.
Obviamente, pensei que não teria problema. Ela não gostaria de ser ajudada, provavelmente. Mas, sabe como é. Um jovem de 15 anos, libido em seu máximo, cavalheirismo em seu máximo para quem vê de fora. É como eu disse, ignorância é uma benção. Agora eu teria que fazer algo pra reverter a situação em que ela se machucaria. Meus instintos de homem me obrigavam a fazer isso, e eu não teria escolha.
Claro, eu acabo por salvar ela de um machucado grave. O calor dela em meus braços, o cheiro dela e tudo mais me deixaram encantado como uma criança que ganha 1000 ienes por nada. O prazer e o choro eram livres.
Após isso, uma sensação de constrangimento preencheu o ar. E as nossas cabeças. Quero dizer, eu não precisava ter feito isso como o vadio que sou. Ou que me considero ser. Isso vai contra a minha ética de trabalho. De qualquer forma, o que aconteceu a seguir foi ainda pior. Eu acho.
“Ah, perdão, Akashiro-kun.”
“É... Não há de quê, Kuromi-san.”
A voz dela era surpreendentemente doce, assim como seu rosto quando falando comigo. Talvez, só talvez, ela não era o mestre da vadiagem que eu achei que era. Talvez ela fosse apenas tímida.
“Então, porque essa pergunta no aviãozinho, Kuromi-san?”
“Você entenderá. Venha comigo.”
E assim começou meu dia. Ao invés de ir para a aula do segundo horário, nós fomos ao telhado. Sabe como é, delírios preenchidos de adrenalina e libido encheram a minha mente. Afinal de contas, eu nem sabia o que ela queria.
“Você já reparou que todos os dias são a mesma coisa, literalmente?”
“Sim, reparei isso hoje na sala.”
“É, eu vi.”
“Mas porque algo assim ocorreria, Kuromi-san?”
“Um paradoxo temporal, Akashiro-kun.”
“Você está afirmando que viagem no tempo existe?”
“Obviamente.”
“Síndrome da oitava série, é?”
“Ah, vejo que você é do tipo que não acredita até ver, não é mesmo?”
“Precisamente.”
“Então, porque estamos conversando nesse tom cômico?”
“Porque sim.”
“Ah, compreendo. Não, para! Vamos conversar como gente normal.”
“Implicando que nós somos normais.”
“Se você é cético ao extremo, eu não posso fazer nada. Mas, se você quiser... Eu posso te mostrar.”
Essa fala. Essa maldita frase mudou o curso da minha vida pra sempre. A partir daí, eu nunca mais poderia vagabundear devidamente. Odeio admitir, mas a Kuromi só por existir me encanta. Me deixa perplexo, pasmo. E não teria como mudar esse quadro.
“Me mostre, então.”
Colorido, brilhantemente obscuro e, acima de tudo, inalcançável. Isso realmente existe? Era como se fosse um prato cheio de possibilidades. Cheio de oportunidades, cheio de portas e cheio de vida. Mesmo se todo o meu mundo entrasse em colapso, eu poderia ficar em meu travesseiro de esperanças e ter a certeza de que minha cabeça estaria bem. Era esse o sentimento que preenchia meu ser. Apesar de tudo isso, eu estava de mãos dadas com a Kuromi, que me puxava adiante.
“O que... É isso?”
“O Multiuniverso. É um portal entre as diferentes dimensões e acontecimentos. Acontece que esse dia 28 de maio de 2014 tem muitas variações e abriu muitas dimensões diferentes. É o maior paradoxo que eu já tive que arrumar.”
“E porque esse paradoxo aconteceu?”
“Provavelmente tem a ver com você.”
“Por que?”
“Seu conceito de tempo.”
“Que que tem ele?”
“Alguém com um conceito de tempo assim não é normal. Você se lembra do seu avô ou tem alguma coisa dele em mente?”
“Não sei.”
“Ah, Paradoxo do Avô e possível Paradoxo do Loop Sexual. Clássico e nojento.”
“Como assim?”
“Provavelmente um descendente do seu avô matou ele, fez filhos com a sua avó e isso gerou um paradoxo.”
“Nojento.”
“Você não está surpreso?”
“Não. Mas então todos os meus descendentes são um paradoxo?”
“Sim, mais isso vai mudar logo.”
“Como isso vai mudar?”
“Indo a um certo lugar.”
“Onde nós estamos indo?”
“No lugar onde você vai se tornar um Juiz do Tempo. Um viajante do tempo, em termos chulos.”
“E porque eu teria que fazer isso?”
“Pra reverter o paradoxo sem ter que te matar?”
“Mas se a minha existência por si só já é um paradoxo, porque eu teria que me tornar nisso?”
“Porque a sua existência vai ser acolhida como um fenômeno temporal e não como um ser humano. Basicamente, sua existência vai ser reconstruída em essência, o que vai corrigir os paradoxos relacionados à você, transformando seus descendentes em viajantes do tempo. E não, você não vai perder a sua personalidade de vagabundo.”
“Eu vou ter que fazer alguma coisa depois de me tornar um Juiz do Tempo ou sei lá o que?”
“Obviamente. Você vai ter que ajudar na correção dos milhares de paradoxos espalhados pelas dimensões. Ah, e vai ter que ajudar na junção das linhas do tempo e das dimensões. Vai ser trabalhoso e o seu tempo de vida será expandido também.”
“Ah, melhor que morrer. Desde que eu tenha umas férias, por mim tudo bem!”
“Descuidado como sempre, não é mesmo?”
“É parte do meu charme, Kuromi!”
“Ok, ok.”
Provavelmente eu estava em êxtase e não estava pensando direito. Quero dizer, quem em sã consciência concordaria em poder viajar no tempo e ter que fazer um monte de coisa? Obviamente, alguns minutos depois, eu recobro a sanidade e vejo tudo isso como um grande erro que eu cometi.
“Eu realmente não tenho outra opção, Kuromi?”
“Você tem duas opções: se tornar um Juiz do Tempo e viver em prol da verdade, arcar com as consequências disso ou...”
“Eu morro.”
A vida, ela é injusta. É cruel em seus próprios termos.
“Bom que você não é mentalmente vagabundo, Akashiro-kun.”
“Sabe como é.”
Nós paramos. Eu olhei ao meu redor. Esse lugar em especial tinha um ar de superioridade. Parecia ser um local sagrado, pois ele era praticamente branco, limpo e puro, acima de tudo. Fazia eu me sentir como um intruso. Ela fez uma menção para que eu me ajoelhasse e assim o fiz.
“Akashiro Ridou, você jura agir em prol da verdade?”
“Eu juro.”
“Jura nunca usar o Tempo ao seu favor?”
“Eu juro.”
“Acima de tudo, jura ser fiel aos seus companheiros?”
“Eu juro.”
“Então, Akashiro Ridou, você recebe a Benção do Tempo.”
Dito isso, ela se ajoelhou junto a mim, fechou meus olhos com os dedos e me deu um beijo. Um beijo, cara! Como assim? Que merda é essa?
“Com isso, Ridou, você se tornou o meu parceiro até o fim da vida. Não há amor envolvido, mas somos companheiros de serviço.”
“Precisava do beijo?”
“Sim, quando se é mulher-homem fazendo um ritual, é necessário um beijo. Dizem que é parte da reconstrução da essência. Nem eu sei direito como isso acontece, mas, fazer o que, né?”
“É...?”
“Ah, sim, Ridou, você só pode fazer esse ritual uma única vez. Eu gastei minha primeira e única vez com você... Espero que você tome a responsabilidade...”
“Por favor, não diga coisas que vão causar mal-entendidos no futuro.”
“Ah, seria bom se você começasse a me chamar pelo nome. Nós vamos ficar juntos até o fim dos tempos. Qualquer tipo de formalidade é inútil.”
“Yukiko... Como você se tornou em uma Juiz do Tempo?”
“Eu não sou exatamente uma Juiz do Tempo. Você entenderá quando chegar a hora. Minha irmã fez o ritual comigo, mas não me fez fazer o terceiro juramento, porque ela é casada com o parceiro dela.”
“Ah, entendo. Então, o que nós devemos fazer agora?”
“Vamos pra casa.”
“Que casa?”
“*Nossa* casa.”
“Como assim?”
“A gente vai morar junto, ué.”
“Por que?”
“Pra melhorar o trabalho em equipe. Não, nós não iremos dormir juntos.”
E assim, minha vida nova começou Uma vida sem desleixo, uma vida cheia de desmotivação e felicidade, acima de tudo. Ou algo do tipo. Eu sabia que a partir de agora, meu estilo de vida estaria acabado. Eu teria que me esforçar dia a após dia, até a minha morte. Mas, no fim, não é tão ruim. Eu gosto de vadiar, desde que haja variedade nos acontecimentos. Viver a mesma coisa todos os dias é essencialmente chato. Agora, por aquela pessoa, eu não seria mais um vagabundo.
Não conseguiria.
Não poderia.
Não queria.
Prólogo – Vagabundagem
“Enquanto os dias e noites passam, nós falhamos em alcançar a verdade.”
Não sei de onde eu onde eu tirei essa frase, não sei seu verdadeiro significado e não me preocupo em saber algo do tipo. É grande a probabilidade de que eu tenha me entorpecido em relação à essa fração da realidade, em uma tola tentativa de me reafirmar como um ser humano comum e livre de qualquer tipo de responsabilidade por ser extraordinário. Sabe como é, teoria do homem extraordinário de Dostoiévski, se algo impede algum progresso para a humanidade, esse algo deve ser eliminado. Quem faz esses progressos são os homens extraordinários, logo, isso implica que a responsabilidade de ter o progresso da humanidade lhe é imposto. Sem o menor tipo de consideração, sem a menor piedade.
Talvez eu esteja fugindo um pouco do assunto em questão, mas deixe assim. Prefiro que seja chamado de “pensar demais”. Enfim, tudo o que eu quero é uma vida de paz e tranquilidade para mim e para os outros, sendo esse desejo representado por um belo ato de altruísmo: vagabundear em casa. Tem algo melhor que isso? Se tiver, só pode ser uma tsundere peituda. Tsundere peituda é a vitória definitiva na vida.
Às vezes, nós fechamos nossos olhos pra verdade em prol de negar as “anormalidades” que nos cercam, tal como fantasmas ou algo do tipo. Vê quem quer, não vê quem não quer. O que lhe for mais conveniente é o que se faz, creio eu. Não que deva ser feito. Agora, o que é anormal e o que é normal, em realidade? O que é o que não é? Isso é algo que eu não sei e me recuso a saber. A ignorância é uma benção. A partir do momento em que eu souber de algo, eu tenho que fazer algo em relação à esse algo, mesmo que seja nada. Ovos saem do orifício anal das galinhas, isso é nojento, logo, eu não como mais ovos. Simples e complicado assim.
Eu não quero alcançar a verdade. Eu quero saber o que ela é. Em prática, as duas coisas são as mesmas. Em teoria, elas são praticamente opostos. Quero dizer, alcançar a verdade significa ter posse da mesma, ter certeza e domínio sobre a mesma, enquanto que saber o que a verdade é significa impor uma distância considerável entre você e a verdade. Eu só quero saber o que ela é, eu não quero conhecer ela. Eu sou um teórico, basicamente.
Ou era isso que eu achava.
Ao meu ver, a verdade é algo inconsistente, variável, parcial e passível de interpretações diferentes, pois ninguém é igual, ninguém passou pelas mesmas experiências. Em suma, a verdade é a interpretação que uma pessoa tem da realidade. A verdade é sua opinião, a verdade é a minha opinião.
Enfim, não é como se eu fosse fazer algo em relação à verdade, porque ela é um conceito, nada além disso. Um simples conceito criado por humanos para humanos, algo que amo. Quero dizer, sem os conceitos criados pelo ser humano, a loucura seria generalizada. Por isso, eu amo minha mente acima de tudo. Ela me dá a resolução de não mexer em coisas que não devo. Ela protege meu estilo de vida.
De novo, não é como se eu fosse fazer algo em relação à isso.
Dito tudo isso, eu chego à conclusão de que minha vida está completamente errada. Talvez seja filosofia barata, talvez seja a descoberta do século ou talvez seja apenas uma desculpa para me atrasar pra escola de novo.
Talvez hoje eu terei arrependimentos e autodepreciarão aos montes, por ter me atrasado. Afinal, aconteceu uma das coisas mais imprevisíveis e tristes ao meu estilo de vida e filosofia.
Vamos por partes. Kuromi Yukiko é amplamente conhecida por sua beleza incomparável, inteligência acima da média, saber como vadiar nas aulas de Educação Física e por ela ser inalcançável. Quando eu digo inalcançável, eu realmente quero dizer isso. É impossível de se falar com ela e é improvável que ela vá responder à qualquer contato visual. Ela aparenta ser uma pessoa bem consistente, emocionalmente falando. Ou é o que ela quer aparentar.
Quero dizer, é raro que esse tipo de garota não seja popular entre homens e mulheres, afinal, ela não causa problemas à ninguém, ela é bonita, inteligente e tem classe. Não é como se eu tivesse algum tipo de sentimento colorido por ela, eu simplesmente a vejo como alguém quase semelhante à mim. Tirando o fato da inteligência e da beleza, é claro. Eu a admiro por ela conseguir o que eu nunca vou conseguir: vadiar discretamente.
Esse é o meu primeiro ano, admito que sou inexperiente com tudo e nada, ao mesmo tempo. Não conheço ninguém à ponto de dizer que sou “amigo” de alguém. Simplesmente mantenho meu espaço, meu muro e meu mundo em segurança. Assim, eu posso vadiar descaradamente e ninguém terá coragem de me reprimir ou algo do tipo. Não que isso me mantenha longe dos olhares de todos. E é exatamente por isso que eu admiro a Kuromi. Ela não sofre de bullying, ela não faz nada além de ler e dormir e ela faz basicamente nada. Mas, por manter sua antipatia em níveis astronômicos, ninguém a importuna.
Nós nos sentamos um ao lado do outro na sala de aula, e só eu levo broncas dos professores. É assim que a vida é, é assim que a vida sempre será. Talvez eu deveria falar com ela. Ou melhor, fazer como ela.
De qualquer forma, não é como se daqui a 10 anos eu me lembre de qualquer pessoa do meu ensino médio. Provavelmente eu vou estar em um emprego ganhando o suficiente pra me sustentar e vou viver e morrer como um solteiro. Virgem, se preferir.
Enfim, era 28 de maio. Eu estava subindo as escadas alegremente, pois eu sabia que ia perder o primeiro horário na sala dos atrasados, logo, não faria nada além de ler um livro ou algo do tipo. Mesmo se alguém estivesse lá, eu simplesmente ignoraria. A vagabundagem não pode ter limites. Ela tem que abranger todo e qualquer campo do ser humano. Seja social ou corporal. Tirar a vagabundagem do mundo é como tirar a mãe de uma criança. É algo que não se faz.
Com uma expressão séria no rosto, eu abro a porta da sala dos professores. Um suspiro do professor de matemática do terceiro ano que já não me era estranho quebrou a tensão na sala.
“De novo, é?”
“Sabe como é.”
Ele se levanta de sua cadeira e me guia até a minha amada sala de paz, meu travesseiro de esperanças em um mundo obscuro guiado por pessoas que aproveitam suas juventudes de forma burra e sem objetivo.
Quando chegamos lá, me deparo com uma tranquila e calma Kuromi. Ela olha de relance para mim e volta a pôr seus olhos no seu livro. Eu me sento à uma distância média dela, afinal, se eu me sentasse muito perto, seria irritante para mim e para ela e se eu sentasse muito longe, pareceria que eu queria chamar a atenção dela para mim usando de psicologia reversa. Realmente, sentar em um lugar numa sala praticamente vazia requer conhecimento.
Um silencio anormal cobriu a sala. Uma sensação de que eu já tinha passado por tudo isso se instalou na minha mente. Eu não consigo lembrar o que aconteceu ontem e não sei quais são as aulas de amanhã, o que vai passar na televisão amanhã. Como se qualquer dia que não fosse hoje não existisse. Bem, não é como se isso afetasse meu estilo de vida. Falando a verdade, seria até melhor pra mim.
O primeiro período finalmente acabou, pela graça de Deus! É pra glorificar de pé, irmãos!
Como ambos eu e Kuromi temos nossas esquisitices e barreiras sociais, eu me levantei com os olhos fechados, evitando olhar para ela. Ando calmamente até a porta e desço o primeiro lance de escadas e olho pra cima de relance. Vejo um aviãozinho de papel com algo escrito nele. Naturalmente, eu pego ele e leio o que está escrito.
[O que é o tempo, é? Pergunta interessante. Eu diria que o tempo é um paradigma que o ser humano inventou em prol de si mesmo. É um jeito de marcar os fatos. O fato da queda de um imperador, da morte de um pai, de tirar um palitinho premiado em um picolé, de uma célula morrer. Tempo é basicamente sinônimo de fato. Basicamente nós vivemos e viveremos “agora”, porque o mundo não muda. Se mudasse, seria contra a conservação de energia e massa. Lavosier, sabe?]
Escrevo isso em um papel separado e jogo o aviãozinho para cima. Surpreendentemente, a Kuromi estava ali em cima. Olhando para mim. Esse foi o nosso primeiro contato. Por 5 segundos, ela olhou para mim. Não pra ver quem entrava pela porta ou outro motivo casual, simples e óbvio.
Ou assim eu pensava.
Ela pega o aviãozinho de papel e lê o que eu escrevi. Um sorriso cheio de satisfação se abriu em seu belo rosto. Eu me direciono até o próximo lance de escadas, fora do olhar da Kuromi, porque estava de saco cheio da socialização e esforço necessário pra manter a mesma. Pelo o que eu ouvi, ela fez o mesmo.
Até que ela tropeçou.
Obviamente, pensei que não teria problema. Ela não gostaria de ser ajudada, provavelmente. Mas, sabe como é. Um jovem de 15 anos, libido em seu máximo, cavalheirismo em seu máximo para quem vê de fora. É como eu disse, ignorância é uma benção. Agora eu teria que fazer algo pra reverter a situação em que ela se machucaria. Meus instintos de homem me obrigavam a fazer isso, e eu não teria escolha.
Claro, eu acabo por salvar ela de um machucado grave. O calor dela em meus braços, o cheiro dela e tudo mais me deixaram encantado como uma criança que ganha 1000 ienes por nada. O prazer e o choro eram livres.
Após isso, uma sensação de constrangimento preencheu o ar. E as nossas cabeças. Quero dizer, eu não precisava ter feito isso como o vadio que sou. Ou que me considero ser. Isso vai contra a minha ética de trabalho. De qualquer forma, o que aconteceu a seguir foi ainda pior. Eu acho.
“Ah, perdão, Akashiro-kun.”
“É... Não há de quê, Kuromi-san.”
A voz dela era surpreendentemente doce, assim como seu rosto quando falando comigo. Talvez, só talvez, ela não era o mestre da vadiagem que eu achei que era. Talvez ela fosse apenas tímida.
“Então, porque essa pergunta no aviãozinho, Kuromi-san?”
“Você entenderá. Venha comigo.”
E assim começou meu dia. Ao invés de ir para a aula do segundo horário, nós fomos ao telhado. Sabe como é, delírios preenchidos de adrenalina e libido encheram a minha mente. Afinal de contas, eu nem sabia o que ela queria.
“Você já reparou que todos os dias são a mesma coisa, literalmente?”
“Sim, reparei isso hoje na sala.”
“É, eu vi.”
“Mas porque algo assim ocorreria, Kuromi-san?”
“Um paradoxo temporal, Akashiro-kun.”
“Você está afirmando que viagem no tempo existe?”
“Obviamente.”
“Síndrome da oitava série, é?”
“Ah, vejo que você é do tipo que não acredita até ver, não é mesmo?”
“Precisamente.”
“Então, porque estamos conversando nesse tom cômico?”
“Porque sim.”
“Ah, compreendo. Não, para! Vamos conversar como gente normal.”
“Implicando que nós somos normais.”
“Se você é cético ao extremo, eu não posso fazer nada. Mas, se você quiser... Eu posso te mostrar.”
Essa fala. Essa maldita frase mudou o curso da minha vida pra sempre. A partir daí, eu nunca mais poderia vagabundear devidamente. Odeio admitir, mas a Kuromi só por existir me encanta. Me deixa perplexo, pasmo. E não teria como mudar esse quadro.
“Me mostre, então.”
Colorido, brilhantemente obscuro e, acima de tudo, inalcançável. Isso realmente existe? Era como se fosse um prato cheio de possibilidades. Cheio de oportunidades, cheio de portas e cheio de vida. Mesmo se todo o meu mundo entrasse em colapso, eu poderia ficar em meu travesseiro de esperanças e ter a certeza de que minha cabeça estaria bem. Era esse o sentimento que preenchia meu ser. Apesar de tudo isso, eu estava de mãos dadas com a Kuromi, que me puxava adiante.
“O que... É isso?”
“O Multiuniverso. É um portal entre as diferentes dimensões e acontecimentos. Acontece que esse dia 28 de maio de 2014 tem muitas variações e abriu muitas dimensões diferentes. É o maior paradoxo que eu já tive que arrumar.”
“E porque esse paradoxo aconteceu?”
“Provavelmente tem a ver com você.”
“Por que?”
“Seu conceito de tempo.”
“Que que tem ele?”
“Alguém com um conceito de tempo assim não é normal. Você se lembra do seu avô ou tem alguma coisa dele em mente?”
“Não sei.”
“Ah, Paradoxo do Avô e possível Paradoxo do Loop Sexual. Clássico e nojento.”
“Como assim?”
“Provavelmente um descendente do seu avô matou ele, fez filhos com a sua avó e isso gerou um paradoxo.”
“Nojento.”
“Você não está surpreso?”
“Não. Mas então todos os meus descendentes são um paradoxo?”
“Sim, mais isso vai mudar logo.”
“Como isso vai mudar?”
“Indo a um certo lugar.”
“Onde nós estamos indo?”
“No lugar onde você vai se tornar um Juiz do Tempo. Um viajante do tempo, em termos chulos.”
“E porque eu teria que fazer isso?”
“Pra reverter o paradoxo sem ter que te matar?”
“Mas se a minha existência por si só já é um paradoxo, porque eu teria que me tornar nisso?”
“Porque a sua existência vai ser acolhida como um fenômeno temporal e não como um ser humano. Basicamente, sua existência vai ser reconstruída em essência, o que vai corrigir os paradoxos relacionados à você, transformando seus descendentes em viajantes do tempo. E não, você não vai perder a sua personalidade de vagabundo.”
“Eu vou ter que fazer alguma coisa depois de me tornar um Juiz do Tempo ou sei lá o que?”
“Obviamente. Você vai ter que ajudar na correção dos milhares de paradoxos espalhados pelas dimensões. Ah, e vai ter que ajudar na junção das linhas do tempo e das dimensões. Vai ser trabalhoso e o seu tempo de vida será expandido também.”
“Ah, melhor que morrer. Desde que eu tenha umas férias, por mim tudo bem!”
“Descuidado como sempre, não é mesmo?”
“É parte do meu charme, Kuromi!”
“Ok, ok.”
Provavelmente eu estava em êxtase e não estava pensando direito. Quero dizer, quem em sã consciência concordaria em poder viajar no tempo e ter que fazer um monte de coisa? Obviamente, alguns minutos depois, eu recobro a sanidade e vejo tudo isso como um grande erro que eu cometi.
“Eu realmente não tenho outra opção, Kuromi?”
“Você tem duas opções: se tornar um Juiz do Tempo e viver em prol da verdade, arcar com as consequências disso ou...”
“Eu morro.”
A vida, ela é injusta. É cruel em seus próprios termos.
“Bom que você não é mentalmente vagabundo, Akashiro-kun.”
“Sabe como é.”
Nós paramos. Eu olhei ao meu redor. Esse lugar em especial tinha um ar de superioridade. Parecia ser um local sagrado, pois ele era praticamente branco, limpo e puro, acima de tudo. Fazia eu me sentir como um intruso. Ela fez uma menção para que eu me ajoelhasse e assim o fiz.
“Akashiro Ridou, você jura agir em prol da verdade?”
“Eu juro.”
“Jura nunca usar o Tempo ao seu favor?”
“Eu juro.”
“Acima de tudo, jura ser fiel aos seus companheiros?”
“Eu juro.”
“Então, Akashiro Ridou, você recebe a Benção do Tempo.”
Dito isso, ela se ajoelhou junto a mim, fechou meus olhos com os dedos e me deu um beijo. Um beijo, cara! Como assim? Que merda é essa?
“Com isso, Ridou, você se tornou o meu parceiro até o fim da vida. Não há amor envolvido, mas somos companheiros de serviço.”
“Precisava do beijo?”
“Sim, quando se é mulher-homem fazendo um ritual, é necessário um beijo. Dizem que é parte da reconstrução da essência. Nem eu sei direito como isso acontece, mas, fazer o que, né?”
“É...?”
“Ah, sim, Ridou, você só pode fazer esse ritual uma única vez. Eu gastei minha primeira e única vez com você... Espero que você tome a responsabilidade...”
“Por favor, não diga coisas que vão causar mal-entendidos no futuro.”
“Ah, seria bom se você começasse a me chamar pelo nome. Nós vamos ficar juntos até o fim dos tempos. Qualquer tipo de formalidade é inútil.”
“Yukiko... Como você se tornou em uma Juiz do Tempo?”
“Eu não sou exatamente uma Juiz do Tempo. Você entenderá quando chegar a hora. Minha irmã fez o ritual comigo, mas não me fez fazer o terceiro juramento, porque ela é casada com o parceiro dela.”
“Ah, entendo. Então, o que nós devemos fazer agora?”
“Vamos pra casa.”
“Que casa?”
“*Nossa* casa.”
“Como assim?”
“A gente vai morar junto, ué.”
“Por que?”
“Pra melhorar o trabalho em equipe. Não, nós não iremos dormir juntos.”
E assim, minha vida nova começou Uma vida sem desleixo, uma vida cheia de desmotivação e felicidade, acima de tudo. Ou algo do tipo. Eu sabia que a partir de agora, meu estilo de vida estaria acabado. Eu teria que me esforçar dia a após dia, até a minha morte. Mas, no fim, não é tão ruim. Eu gosto de vadiar, desde que haja variedade nos acontecimentos. Viver a mesma coisa todos os dias é essencialmente chato. Agora, por aquela pessoa, eu não seria mais um vagabundo.
Não conseguiria.
Não poderia.
Não queria.
Capítulo I – Propósito
Parte I
Uma dramática e extrema virada de página. Sim, esse é o melhor jeito de descrever a minha situação.
Meu nome é Akashiro Ridou, tenho 15 anos de idade e atualmente estou morando com a antiga garota dos meus sonhos. Infelizmente, a vida que eu levo é completamente fora do padrão e completamente livre de descanso. Eu quero meus três dias de luto. O que morreu, você me pergunta? A minha amada vida.
Quero dizer, existe vida e existe vida. Vida no sentido biológico, de ser um organismo vivo, respirar, gerar energias, gastar energias e vida no sentido filosófico, de como se vive, porque se vive e coisas do tipo. Eu perdi a minha razão de viver. Eu perdi meus dias de tranquilidade, em troca de algo chato como viagem no tempo. Se for parar pra pensar, isso nem é grande coisa, porque já está escrito nas linhas do destino que algo ocorrerá. Algo ocorreu e não me importa como isso ocorreu.
Provavelmente a única vantagem que eu vejo nessa situação toda é viver no mesmo teto que a Yukiko. Não é como se ela fosse uma empregada ou fosse fofa, a nossa relação é algo mais como “predador e presa”, “mestre e empregada”, “sadista e masoquista”. Vale constar que eu sou a presa, a empregada e o masoquista. Isso soou estranho, mas não foge nem um pouco da realidade. Quero dizer, é normal alguém gostar de dar chicotadas, chibatadas e variantes? E é normal alguém começar a gostar disso?!
Felizmente, ontem eu descobri um dos únicos prós de ser um Juiz do Tempo: pode-se viajar no tempo sem estar em dever. Isso quer dizer que eu posso fugir da Yukiko quando o lado sadista dela tomar conta.
De qualquer forma, hoje parece ser um dia especial. A Yukiko estava feliz, nem um pouco sadista ou dominadora. Ela até fez meu café da manhã e me chamou pra sair de tarde. Ah, correção: me “convenceu” à sair de tarde. Pelo o que eu vi dos produtos que nós consumimos, provavelmente estamos na Inglaterra. É bem improvável estarmos no Japão, com todas as latas e embalagens da casa em inglês.
Quando ela sair do quarto dela, eu vou perguntar onde nós moramos. Sim, eu me recuso à entrar naquele quarto. Provavelmente ela vai começar a me tratar como empregadinha se eu entrar lá. O terror de ter que abanar um leque por 5 horas inteiras, meus amigos, é algo extremo! Seus músculos da axila, seus braços e articulações doem por inteiro. Próximo do fim dessas 5 horas, eu já estava abando o leque com o corpo inteiro, pulando. Essa é a vida, nem um pouco divertida.
Apesar disso tudo, a Yukiko ainda me encanta. Na maior parte do tempo, ela é uma pessoa normal, uma adolescente introvertida e realmente tímida. Creio eu que ela não é verdadeiramente sadista. É só uma válvula de escape pro estresse e nervosismo do dia-a-dia.
De qualquer forma, a manhã passa e a Yukiko sai de seu quarto. Surpreendentemente, ela fala comigo em um tom normal.
“Boa tarde.”
“Boa tarde.”
“Que que a gente vai ter pro almoço hoje? Macarrão instantâneo?”
“Claro... Que não! Eu me recuso a viver disso. Deixa que eu cozinho alguma coisa.”
Sim, eu me arrependerei disso. Eu abro a geladeira e... Era a visão do inferno. Literalmente. Uma aura negra circulava pelos ovos que já deveriam estar vencidos há eras e eras atrás. Cebolas que estavam pretas de tão velhas. E o cheiro de cadáver que vinha da carne podre? Quero dizer, é impensável ter algo assim na cozinha!
“Ei, Yukiko... Que merda é essa?”
“Está tudo em perfeito estado...”
“Só se for em perfeito estado maléfico! Acho que ninguém teria coragem de comer algo assim. Vamos fazer o seguinte: você limpa toda essa zona e eu vou no mercado.”
“Você sabe onde é o mercado?”
“Não sei nem onde eu estou vivendo, pra início de conversa.”
“Duas quadras da sua antiga casa.”
Eu estava chocado. Como assim?! Que tipo de pessoa só compraria produtos importados? Com que dinheiro?!
“Então porque a gente só consome produtos importados? E com que dinheiro, Yukiko?”
“Mas... Produtos importados são muito melhores... E o dinheiro eu ganho do Elo...”
“Elo?”
“Você vai entender, quando chegar a hora.”
“Ah, tá. Então eu já volto!”
“Ah, Ridou, compre chocolate. Você sabe o tipo e marca que eu gosto, não é mesmo?”
Claro que eu sei. Você me fez escrever o nome dele 150 vezes enquanto me dava chibatadas. Se eu não soubesse, meu corpo pagaria por isso.
De qualquer forma, eu não me esforço pra saber mais do que atualmente sei. Nem acho que devo fazer algo em prol disso. Saber pouco é claramente perigoso, mas, saber demais é ainda mais perigoso. Afinal de contas, os hitokiri e assassinos de qualquer revolução fazem todo tipo de trabalho sujo e por isso acabam sabendo demais, são executados sem dó nem piedade.
Com tudo isso, eu quero dizer que não me interessa saber o que é o Elo ou se existe algo além de Juízes do Tempo. Também, não é como se eu fosse algo como um hitokiri. Isso é extremo demais, a gente não tá na Restauração Meiji ou algo do tipo.
A caminhada até o mercado foi agradável, uma brisa leve me acompanhou. No mercado, eu comprei arroz, ovos, carne e esse tipo de coisa. O suficiente para dois dias. A volta foi como a ida. Foram momentos agradáveis.
Ao chegar em casa, sou recebido pela Yukiko fazendo uma cara de choro. Naturalmente, eu olho para ela com curiosidade.
“O que aconteceu, Yukiko?”
“Eu... Eu limpei a geladeira.”
“Deve ter sido traumatizante.”
“Eu nunca mais vou deixar as coisas comidas pela metade na geladeira e nunca mais vou deixar a comida ficar velha.”
“Seria bom eliminar esse hábito.”
“É bom você cozinhar algo muito bom pra mim, Ridou!”
“Eu vou.”
Dito isso, a Yukiko foi tomar banho era hora de cozinhar. Eu posso ser um vagabundo, mas eu sei fazer as coisas que me ensinam. Arroz, ovos fritos e carne são coisas que eu sei fazer. E muito bem, de acordo com minha mãe. Saudades, mamãe!
Como uma clássica dona de casa, eu ponho a mesa e chamo a Yukiko pra comer.
“Waaaaah, que delícia! Você realmente sabe cozinhar?!”
“Sim.”
“Eu achei que você era só um verme que se escondia num antro de vagabundice.”
“Na maior parte do tempo, sim.”
“E você não nega nem um pouco disso.”
“Pra falar a verdade, eu tenho orgulho do estilo de vida que eu levava.”
Com um olhar surpreendentemente triste, ela me pergunta algo que provavelmente se tornaria em tabu, caso ela não me perguntasse isso agora.
“Você gostaria de voltar a ter aquele tipo de vida?”
“Hm... Eu realmente amo não fazer nada. Guardar energia, viver como um observador, um figurante, em geral. Se destacar é ruim, sabe? Em compensação, eu não gosto de coisas monótonas. Eu odeio e gosto da rotina de um vagabundo, porque enquanto que minha vida em si é monótona, eu posso ver tudo que os outros fazem, e isso é muito divertido. De qualquer forma, não é como se eu odiasse a vida que levo agora. Agora é agora, antes é antes. Respondendo à sua pergunta, não. Eu não abriria mão do que tenho agora em troca de dias de vagabundagem.”
Eu digo isso, mas tudo o que tenho é uma vida quase frenética e uma convivência brutal com a Yukiko. Mesmo com essa resposta convencional, ela abriu um sorriso que me deixou perplexo. Literalmente. Por favor, cozinhe para mim todas as manhãs! Case comigo!
“Isso é surpreendente, nem parece que você é a incorporação dos 7 pecados capitais!”
Eu achei que tinha algo estranho em ela sorrindo de um jeito tão inocente...
“Ei, raiva e preguiça não combinam!”
“Ah, você tem razão. Me desculpe, você é a incorporação de um NEET otaku nojento.”
“De alguma forma, eu sinto que isso é pior do que tudo.”
“Pelo menos seus instintos animais estão ativos, não é mesmo? Estou falando há uns dias, mas você ainda vai se tornar meu cão. Com coleira e tudo.”
“Como você conseguiu distorcer tanto essa conversa, Yukiko?”
“Conseguindo.”
Terminamos nosso almoço assim. O Deus do Sadomasoquismo é um cara realmente perturbado! Quero dizer, não podemos ter uma conversa normal durante o almoço?! Sempre tem que terminar comigo quase mordendo a fronha mentalmente, me tornando um cachorro dela ou algo do tipo?! Isso não é desagradável. É repulsivo, cara. Pare de ser tão bizarro com os seus fetiches, Deus do Sadomasoquismo!
“Ah, já é hora de irmos ao Elo.”
“Vamos fazer o que lá?”
“Você verá, Ridou.”
“Ah, por mim tanto faz.”
Logo após essa breve conversa, nós saímos em direção ao tão falado “Elo”.
Realmente, eu não sei que tipo de problemas eu arranjarei no dia de hoje. Eu digo isso porque eu tenho o pressentimento de que algo chato vai acontecer. Pra falar a verdade, sempre que eu saio com a Yukiko, alguma coisa ruim acontece. Só pode ser o destino me falando pra criar raízes no sofá e nunca mais sair de lá.
Eu realmente estou disposto à não fazer nada, a viver uma vida de preguiça. E isso já foi afirmado diversas vezes que eu sinto que estou virando monótono até demais. Até mesmo chego ao ponto de conceituar o termo e tecer uma rede de reflexões sobre ele. Não que eu realmente me importo com isso, mas, eu não posso evitar esse tipo de coisa. Sério. Então, vamos por partes. “A preguiça pode ser caracterizada como aversão ao trabalho, bem como negligência, morosidade e lentidão.”, isso é o que um dicionário ou um filósofo de verdade diria. Ao meu ver, a preguiça é muito mais que “negligência, morosidade e lentidão”. A preguiça é um estilo de vida, é uma filosofia de vida e ação, digo até que é a essência verdadeira do ser humano.
Em realidade, a mente do ser humano é inerte. Há uma grande necessidade de estímulo e influência para que se haja algum tipo de ação. Caso contrário, o ser humano fica onde está, sem querer ir pra frente e com uma perigosa tendência de regredir, ir para trás. Logo, o próprio ser humano é inerte, não importa o quanto se faça de exercício físico ou o quanto se esforce. Se não tem um motivo para ser feito, é inércia, é não sair do lugar. É uma ilusão constantemente contada a de que “coisas boas virão para quem se esforça”. Muita gente só “se esforça” porque é obrigado e não porque quer. As coisas boas do mundo estão lá pra quem quer, não pra alguém sem motivação própria.
Sim, é inapropriado um vagabundo como eu pensar assim. Pra falar a verdade, é extremamente contraditório. Como um assíduo vagabundo, eu não deveria nem pensar. Estado vegetativo é vitória! Mas, no final de tudo, eu não sou mentalmente vagabundo. Eu sou um poser! Eu compreendi o que eu sou, no momento em que entrei nessa casa com a Yukiko. Eu sou um simples observador, nada além disso. E nem quero passar disso, deixando claro. Não que eu tenha alguma escolha, não é mesmo?
Seguindo adiante nesse momento másculo de filosofia, vamos refletir sobre o que é ser uma vadia. Sim, é bem diferente de ser um vadio, meus caros. Digamos que uma certa mulher diz ser adepta da Marcha das Vadias. Você chama ela de vadia. Ela se ofende? Obviamente! Feministas são o câncer do mundo, meus amigos! Digo-lhes meus motivos por trás da afirmação extremista cunhada na direita social e política: já vi muitas mulheres tarando a bunda de homens aleatórios. Literalmente tarando. Eu conseguia ver uma aura se materializando e mexendo a bunda do cara. Era nojento. Mais nojento ainda é pensar que essas mulheres em especial estudavam comigo na oitava série. Na mesma semana, nós garotos, em uma tempestade de libido, fizemos o mesmo com elas. Canalizamos toda a nossa energia vital nos olhos em prol daquelas bundinhas. Sim, nós fomos chamados de machistas, nojentos e “cultivadores da cultura do estupro”. Quero dizer, elas podem e nós não? Que tipo de filosofia é essa que prega superioridade feminina sobre o homem?
Sim, eu sei que tem feministas que não são assim. As pessoas que sabem agir civilizada e racionalmente. Mas, é fato de 80% das “pessoas” que se proclamam “feministas” são pessoas extremamente butthurt. Sim, não há termo melhor que esse: bunda doída! Revolucionário de sofá! Lixooooooooo!!!!!!
Só mais uma coisa, antes de fechar meus pensamentos sobre o que é ser uma vadia/o que é ser uma feminista: você, que é feminista até ter que rachar a conta do restaurante, você tem o meu total desprezo. Eu te odeio de corpo e alma!
Sim, eu saí completamente do contexto, mas vale lembrar que uma coisa leva a outra. Se eu penso em vagabundagem, eu penso em vadiagem, logo, penso em vadias. Pensar em vadias é o mesmo que pensar em feministas. E Essa é a vida. Também tem aquela filosofia, né, “eu estava coçando o saco e uma coisa leva a outra...”
No final de tudo, eu só posso dizer que eu perco tempo demais pensando em coisas essencialmente fúteis e sem sentido ou significado. Quero dizer, quem leva uma reflexão tão longe e muda tanto assim de assunto? Eu realmente pretendia fazer uma bela reflexão, daquelas que você lê e se identifica. Mas... O ódio de um homem não é algo a ser suprimido, isso é senso comum. Raiva guardada dá câncer, sabe como é.
No final das contas, eu realmente tenho medo do que está por vir no Elo. Pensar em outras coisas é uma forma de espairecer, creio eu. Todo esse universo à ser desbravado me assusta, sinceramente. É fora do que me era comum. Viagens no tempo, viver junto do meu parceiro, toda uma organização baseada em parar os paradoxos, a obtenção da verdadeira linha do tempo, a obtenção da verdade. Tudo isso é muito pra minha cabeça. É como se eu tivesse que aprender russo, com caracteres e letras que eu desconheço. É tudo muito difícil e maçante.
Parece aquelas situações de mangás e light novels, onde o protagonista simplesmente é fraco demais pra ficar do lado de sua amada e por isso tem que ficar forte, aí ele descobre que tinha um potencial latente imenso.
E não, eu não gosto e muito menos amo a Yukiko. Só quero proteger o sorriso dela. Ou algo do tipo. Coisa de macho. Idiossincrasia e tal. É a vida, meus caros.
Parte II
Sim, sim, sim, sim, sim!!! O sonho de todo homem (virgem)! Ter uma garota andando na garupa da sua bicicleta! É simplesmente fantástico! Não, é muito mais que fantástico... É miraculoso! É o objetivo de vida!
Ainda sim, o fato de ter a Yukiko andando na minha garupa é muito melhor do que “o objetivo de vida”. Porque ter uma garota bonita andando na sua garupa, é um feito para três vidas. É muito mais do que eu poderia pedir. Ela dando as orientações em relação ao caminho com o corpo levemente encostado no meu é o suficiente pra me fazer pedalar direito. É, eu, Akashiro Ridou, estou pedalando sem estar reclamando. Mulheres são algo belo, fofo, agradável e assustador. Especialmente as bonitas.
De qualquer forma, eu me conscientizo de que deveria saber um pouco mais sobre o Elo, já que eu estava indo lá.
“Ei, Yukiko. O que exatamente é o Elo?”
“Ah, já que estamos indo lá, não faz mal você saber um pouco, não é mesmo?”
“É... Eu acho?”
“Elo do Tempo e Espaço. Parece algo muito maior do que é, mas é basicamente a organização para a qual nós trabalhamos. Em pares, como um Juiz do Tempo e um Vinculador do Espaço.”
“Vinculador do Espaço?”
“Se você, um Juiz, consegue viajar no tempo, viajar pelos fatos, eu, uma Vinculadora, consigo viajar pelo espaço. Logo, você não é nada sem mim e vice versa. Em teoria.”
“Em teoria, é?”
“Nós não sabemos qual é a extensão dos seus poderes, logo, não sabemos se você é um parceiro “digno” de mim.”
“Em aspas, é?”
“Você sabe, eu te escolhi. Eu não acho que você tenha pouco potencial. Pelo contrário. Sabia que geralmente é necessário ir pra uma escola e aprender as mecânicas do tempo e espaço e aí se tornar um Juiz ou Vinculador? Caso contrário, o cérebro do iniciado no ritual fritaria ou excederia sua capacidade.”
“Ei, ei, você fez algo tão arriscado assim comigo?”
“Sim, e você passou por isso. Mas, não fique se achando. Você pode ter sido um dos únicos 10 a conseguir isso, mas você não tem noção nenhuma das mecânicas. E é isso que você irá aprender hoje e todo dia da sua vida por três anos. O Elo é uma instituição educacional e profissional.”
“Ah, isso soa como algo muito chato.”
“Provavelmente. Eu também não gostava. Até que eu passei de teórica pra prática.”
“Ah, não quero passar de teórica pra prática nunca~”
“O quão vagabundo você consegue ser?”
“O quanto eu quiser, Yukiko-chan~ Ahahaha~”
“Preste atenção onde você tem que ir, seu idiota! Vire na direita aqui.”
“Eh, esquerda, é?”
“Quando a gente voltar pra casa, você vai ser violado infinitamente e você sabe disso não é mesmo, Ridou~”
“Sim senhora! Por favor perdoe meus sacrilégios e indolências!”
“Se você falar “Por favor, perdoe-me do fundo do meu ser, Yukiko-sama!”, talvez eu pense nisso.”
“P-Por favor, perdoe-me do fundo do meu ser, Yu-Yukiko-sama...?”
“Você é realmente masoquista né?”
“Ah, fecha essa boca, pelo amor de Deus!”
“Chega dessa simulação de conversa entre seres humanos.”
“Ah, chata como sempre.”
Após eu dizer isso, ela me beliscou na junta da bacia com o fêmur. Eu acho que uma dor dão infernal e intensa jamais foi e jamais será sentida novamente. Quero dizer, dores que não envolvem genitália. Inclusive, eu ouvi falar na TV que tem uns caras meio retardados que enfiam alfinetes na uretra. Quero dizer, quanta dor isso pode causar? Não tem nenhum tipo de limite nessa vida deficiente mental que eles vivem? Me dá calafrios toda noite só de pensar em chutar a parede com um palito de dente debaixo da unha do dedão do pé. Imagine fazer algo assim com a genitalia Isso é muito bizarro pra mim. Ou pra qualquer pessoa normal.
De alguma forma, nós acabamos conseguindo chegar no Elo. Eu percebo uma aura estranha ao redor da Yukiko, olho para ela. Seus olhos estavam transbordando ódio. Eu sentia que dava pra pegar esse ódio nas minhas mãos. Uma garota peituda, loira, com cara de estrangeira e um daqueles caras que todas as garotas ficam babando em cima vieram falar com a Yukiko.
“Ara, Kuromi-san, o que você está pensando? Trazendo um plebeu como ele pra esse recinto sagrado...”
“Ele é o meu parceiro, Vaca!”
“Ah, como esperado de você. Fingindo que fez o ritual, é? Não se rebaixe tanto assim. Ahaha~”
“Eu achei que você só sabia mugir e comer pasto. Desculpa, mas nossa simulação de conversa entre seres humanos acaba aqui.”
Ah, eu sou a cobaia dos insultos dela... Interessante, no mínimo. Parece que foi um hit crítico na loirinha chata ali...
O bonitão escroto ficou me olhando com curiosidade, no meio disso. Eu olhos nos olhos dele com desinteresse, e ele sorri, então faz um sinal de “Fazer o quê, né?” com as mãos. Ah, que nojo, cara!
“Ah, Kuromi-san, por favor perdoe-a por seus maus modos.”
“A-Ah, claro, Gerard-kun.”
Ei, ei, você tá ficando vermelha, Yukiko? É isso mesmo? Vou usar isso pra tirar sarro dela depois.
“Então, quem seria você?”
“Ah, meu nome é Akashiro Ridou.“
“Ah, compreendo. Meu nome é Gerard—“
“Tanto faz.”
“Ridou! Não seja mal educado!”
“Minhas sinceras desculpas, Gerard-san.”
Você me fez pedir desculpas pra esse escroto, Yukiko?
“Ah, compreendo. Então, nós entraremos em nosso caminho e não importunaremos você mais.”
“Tchau, Gerard-kun.”
“Tchau, Kuromi-san, Akashiro-kun.”
Sinceramente, eu não gosto de você, cara. Por que? Porque sim.
Enquanto eu vejo eles se distanciando, eu ouço a Yukiko dar um suspiro de alívio. Quero dizer, o quão patético isso pode ser?
“Ei, Yukiko...”
“Que foi?”
“Não me diga que você está apaixonada por aquele sociopata escroto?”
“Não. Eu tenho que parecer apaixonada, mas também acho ele muito bonito e elegante.”
“Mas isso é muito podre (e estranho)!”
“Como assim?”
“Você ficando vermelha, suspirando... Essa não é você, se recomponha, por favor. Pelo bem da minha integridade mental.”
“Ah, cale a boca.”
“Então, quem é aquela que você chama de vaca?”
“Elizabeth Grey, nome e sobrenome, maneira ocidental. Só uma nobrezinha prepotente que se acha mais que os outros por poder viajar no espaço.”
“Ah, ela é uma Vinculadora como você, é? Então por que você não pegou o Gerard como parceiro?”
“Porque nós somos noivos, logo, é impróprio ter ele como parceiro.”
A vida é muito brutal comigo, cara. Me sinto em um doujinshi de NTR, sendo eu o corno manso. Não tem como não chorar.
“Vocês são noivos, é?”
“Nossos pais decidiram isso quando éramos crianças...”
“E você está louquinha pelo dia em que isso vai acontecer, não é mesmo?”
“Que que há com você?”
“Nada, Yukiko. Vamos terminar nossos negócios aqui e voltar para casa.”
“Nós só vamos voltar para casa para pegar nossas coisas, e aí vamos começar a morar aqui no campus do Elo, como todos os Juizes e Vinculadores.”
Ah, meus delírios e fantasias sendo desconstruídos um por um... Hoje é provavelmente o pior dia da minha vida, cara. Mesmo que eu não gostasse da Yukiko, não era incomum ou errado ter sonhos de brutalidade e suavidade enquanto ela mordia a fronha, não é mesmo? É até normal! Quero dizer, minha mente me deprecia profundamente. Pensar que há um mês eu era um cara essencialmente puro nos caminhos da vagabundagem! Eu acho que eu nem teria vontade de fazer qualquer coisa em relação à Yukiko. Mas, ah, cara, se tem alguma coisa que eu odeio mais do que ter que fazer alguma coisa, é aquele bonitão escroto. Roubador de sonhos e esperanças! Como que eu vou dormir à noite sabendo que um dia a Yukiko vai ser violada por você? Hein?!
“Tá bom, Kuromi, vamos logo com isso.”
“Kuromi...?”
Sim, meu travesseiro de esperanças e fantasias foi tirado de mim. Mas, de alguma forma, eu não me sentia tão incomodado por isso. Talvez mais do que o normal, mas menos do que eu deveria. Enfim, nós nos locomovemos até o lugar onde eles fariam os testes comigo e ver em que classe eu deveria me encaixar.
No teste teórico, eu tirei 1/10. No teste prático, eu tirei 0/10. No teste de filosofia do tempo, eu tirei 6/10.
“Akashiro-kun, você tem um longo caminho à trilhar! Você tirou as notas mais baixas da história do Elo!”
A minha vida, cara, ela estava acabada. A minha humanidade me deixou, agora eu sou apenas um aglomerado de carne e ossos. Provavelmente, essa noite eu vou sofrer muito nas mãos da Yukiko.
“Então, como foi, Ridou?”
“Eu... Tirei as notas mais baixas da história do Elo.”
“Você o quê!?”
“Você ouviu.”
“Eu não acredito que eu fiz alguém tão imprestável assim se tornar o meu parceiro...”
“É, me desculpe.”
“Você é burro ou é o que?”
“Me desculpe.”
“Tem que ser muito retardado pra conseguir essa façanha! Como você conseguir fazer isso?”
“Isso não te interessa, sabe? Você é a minha mãe por acaso? Minha namorada? Minha amiga? Não! Então, fique quieta, pelo santo amor de Deus!”
“Eu não sou... Sua amiga?”
“Não, Kuromi. Você não é!”
Um olhar chocado da Yukiko me deixou ainda mais estressado, por isso, tive a certeza de não mais ficar no mesmo lugar que ela.
E assim, eu saí com a minha papelada em mãos. Eu estaria morando junto com um cara que teve notas parecidas com as minhas. Seu nome é... Deixe-me ver aqui... Hanamura Shouzo. Um nome maneiro.
Eu entro no meu quarto, e me deparo com um cara que parece ser como eu. Um cara que gosta de não fazer nada, que gosta de umas fantasias com alguma gostosa mordendo a fronha. Ele tem o cabelo castanho, um corpo normal, não muito alto, não muito baixo, não muito musculoso, não muito fino. Normal. Como eu.
“Ah! Cara, a vida é má!”
“Sim!!!! Ela é demoníaca!”
“Agora a única coisa que me fazia “viver” a vida está longe de mim!”
“Eu digo o mesmo!”
Lágrimas, suor, abraços. Sem homo afetividade. Coisa de macho!
“Você é... Akashiro Ridou, não é mesmo?”
“Sim... Você é Hanamura Shouzo?”
“Sim! Eu só consegui um ponto a mais que você, porque eu chutei certo em duas na teórica! A gente tá no mesmo barco, Ridou!”
“Shouzooo! Temos que nos recompor, cara!”
“Vamos ficar a noite inteira acordados!”
“Sim! Mas a gente não tem aula amanhã?”
“Não sei.”
“Ah, tanto faz. Não tô bem o suficiente pra dormir, mesmo já estando de noite e tal.”
“Nem eu. Então, me conte, quem é o seu parceiro?”
“Kuromi Yukiko. E o seu?”
“Aihara Misaki. Você brigou com a Kuromi-san?”
“Sim... Meu travesseiro de esperanças foi destruído por um tal de Gerard, um bonitão escroto.”
“É, sei como é... A Misaki está apaixonada e noiva de um nojentinho inglês chamado Reynard Franklin.”
“É, a Yukiko se encontra praticamente no mesmo estado deplorável. É coincidência demais, cara. Pra falar a verdade, eu não sei o sobrenome do escroto.”
“Vamos ver na lista de alunos, é raro alguém com o nome de Gerard.”
Sim, como era esperado, o sobrenome do escroto é Franklin. Em um grito de guerra mútuo, a amizade entre dois homens nasce!
“Eu odeio os Franklin com todo o meu ser!!!!”
No fim das contas, nós passamos a madrugada toda conversando sobre as fantasias com as nossas parceiras e sobre o ódio aos Franklin. Fazer uma amizade com ele foi como fazer uma amizade comigo mesmo. Como conversar comigo mesmo.
Eu me pergunto sobre o que a Yukiko deve estar fazendo agora, com quem ela conversou. Coisas do tipo. Hoje eu me dei por conta de que eu realmente quero proteger ela do que ela não consegue ver. Quero apenas o bem-estar dela, nem que isso me custe tempo livre que eu gastaria fazendo nada. Ela é alguém que eu simplesmente não consigo ignorar. Ela com certeza me despreza e me quer longe dela. E eu entendo isso. Provavelmente, eu não tenho nem metade das qualidades e inteligências daquele bonitão escroto. Mas, eu já decidi me tornar em um cavaleiro negro por ela, assim como o Shouzo decidiu fazer o mesmo pela Misaki-san. Esse é o nosso dever. Ela salvou a minha vida e eu devo retribuir. Simples assim.
É óbvio que no outro dia, eu e o Shouzo estávamos sonolentos, mal arrumados e comendo o café da manhã no caminho para a sala de aula. Era uma manhã bonita, ensolarada, céu azul e tudo mais. Apesar do cansaço, eu e o Shouzo estávamos dispostos à melhorar por nossas parceiras. Era o menos que o mínimo que eu podia fazer por ela ter salvado minha vida.
Nós dois estávamos correndo alegremente desanimados. Sabe como é, eu quero mas meu corpo não quer. Logo, paramos de correr e ficamos só andando. Estava tudo feliz, até que nós dois vemos o inferno e o céu se juntarem: Yukiko e Misaki estavam juntas. Sim, o Shouzo me mostrou uma foto da Misaki ontem e eu fiz o mesmo, mostrado uma foto da Yukiko. Sorrindo. Aparentemente felizes. Eu e o Shouzo ficamos encantados e horrorizados com a cena. Elas olham para nós, que subconscientemente olhamos um para o outro e começamos a rir, momentaneamente. Porém, voltamos à ficar sérios e olhamos para elas. Um olhar triste me foi lançado por Yukiko. Mesma coisa com o Shouzo. Como dois verdadeiros idiotas que somos, nós fechamos nossos olhos e fazemos uma expressão severa, como quem diz “Você acha que isso é suficiente?”.
Sim, eu me arrependo severamente de ter feito isso. Tanto trabalho me seria poupado se eu tivesse tido a coragem de encarar ela ali...
Após isso, elas olham para baixo e seguem seus rumos, assim como nós.
“Ah, cara, a gente é trouxa ou o quê?”
“A gente é covarde, Shouzo.”
“Eu não tenho coragem de negar isso.”
“Muito menos eu.”
“Mas, de qualquer forma, nós estamos atrasados. Temos que aprender o máximo possível, não é mesmo?”
“Exatamente.”
Poucos instantes após o fim de nossa breve conversa, chegamos até a sala que nos foi indicada na papelada que nos foi entregue ontem. Como era de se esperar, tinha pouca gente. Isso quer dizer que tem pouca gente tão burra como nós. Pra falar a verdade, só tinha mais um cara ali. E ele não emitia a mesma aura de desleixo que eu e o Shouzo emitíamos. Parecia que ele era realmente superior, mas não como os dois escrotos Franklin. Era superioridade maciça e pura. Parecia que ele nem tentava.
Com o rabo entre as pernas, eu e o Shouzo nos sentamos na clássica distância média, sem chamar atenção. Alguns minutos depois, um professor com uma aura de desleixo ainda maior que a nossa apareceu. Quero dizer, se eu era “O Rei dos Vagabundos”, esse cara provavelmente era “O Deus dos Vagabundos.”. Ele estava em um estado ainda mais deplorável que eu e o Shouzo. Ele esqueceu de abotoar a sua camisa e de fechar o zíper da calça. Isso é algo muito bizarro e assustador pra ser acompanhado dia após dia.
“Ah, bom dia~”
“Bom dia...”
“Então, meu nome é... Eu acho que é... Hanamura Shouzo.”
“Ei! Não vá roubando o nome dos outros!!”
“Ah, eu achei que era um nome tão legal...”
“E daí?!?! Meu nome é meu, velhote!”
“Tá, tá, meu nome é Houdo Gentarou, eu sou seu professor até o fim da sua vida acadêmica porque você fracassados nunca irão sair daqui~ Ou é isso que vocês achavam que iam ouvir? Sim, eu vou ser o professor de você até sua vida acadêmica acabar, mas isso é porque vocês são uma turma... Especial.”
“Especial como, velhote Gentarou?”
“Akashiro Ridou-kun, é? Vocês são especialmente burros. De verdade.”
“Disso eu sei.”
“Vocês são especialmente burros, por isso, eu vou ensinar tudo que eu sei. Sim, vou vomitar o conteúdo na cabeça de vocês, quem digeriu, digeriu. Não vai ter segunda vez. Até porque eu quero voltar a dormir em paz e poder ver meu pornô na hora que eu quiser.”
Que tipo de professor é esse, cara? Ele chega a ser mais desmotivado e nojento que eu e o Shouzo juntos!
“Ok, vamos começar a aula. Calem a boca agora.”
“Tá certo, velhote Gentarou.”
“Então, o que vocês precisam agora é de teoria. Em meio ano, vocês vão se tornar peritos em teoria. Enquanto os outros vão ter aula por apenas um período, vocês vão ter aula por três. Seus parceiros não poderão resolver paradoxos por meio ano. Em suma, vocês se ferraram muito. E quando eu digo muito, eu quero dizer “vocês vão se separar hahaha~”
“Isso é inaceitável, sensei.”
“Tokuro Kyousuke-kun, os incomodados que se retirem~”
“...”
A voz desse cara não é tão imponente quanto eu pensava… Pra falar a verdade, todo o meu medo dele já se esvaiu.
“Primeiro vocês tem que entender os 12 paradoxos temporais fundamentais. Leiam o livro “Natureza dos Paradoxos Temporais”.”
“Velhote, pra falar a verdade, eu não sei nem o que é um paradoxo.”
“Ah, um paradoxo é uma contradição no tempo-espaço. Algo que não tem como acontecer e, em realidade, aconteceu.”
“Tipo o que?”
“Imagine que um Juiz volta no tempo e mata seu próprio avô antes do mesmo ter um filho. Isso quer dizer, em teoria, que seu pai não nasce mas sua vó tem um neto. Como? Teoria da Conservação das Massas e Energia. Você já está lá, não tem como sumir do nada, no caso.”
“Ah, isso é muito confuso.”
“Nem tanto, Shouzo-chan~”
“Velhote Gentarou, se tiver dois paradoxos ocorrendo no mesmo instante, que que acontece?”
“Podem me chamar de Gen-chan. É pra isso que existe a Lei dos Paradoxos Menores. O paradoxo menos paradoxal vai imperar sobre seus afetados, deixando o outro paradoxo de lado. Por exemplo, você volta no tempo, mata seu avô, faz coisinha com a sua avó. Qual paradoxo vai acontecer primeiro?”
“O da avó?”
“Exatamente. O Paradoxo dos Loops Sexuais é menos grave que o Paradoxo do Avô, porque a mudança que eles fazem na linha do tempo é incomparável. Imagine se alguém matasse os pais do Imperador César de Roma? Grande parte da civilização estaria em um estado deplorável. Se alguém fosse e marcasse território na mãe do cara, não seria tão grave assim.”
“De alguma forma eu entendo isso.”
“Você não é tão burro assim, Ridou-chan. Só te falta vontade de aprender.”
“Eu posso ser um futuro Juiz do Tempo, mas eu sou um vagabundo em primeira instância, Gen-chan.”
“Eu compartilho do seu ponto de vista.”
“Mas, então, velhote, e se alguém voltar no tempo e mudar a história?”
“Isso é raro, porque geralmente os grandes feitos do passado foram feitos com a ajuda de alguém do futuro. Raramente se torna em um paradoxo, porque basicamente, a história foi escrita assim. Estava escrito que alguém do futuro viajaria até a França na revolução e ajudaria os Burgueses. Agora, se você se torna um protagonista no passado, aí sim é um paradoxo. Paradoxo da História Retroativa.”
“Como alguém se torna um protagonista no passado?”
“Fazendo mais do que deveria no passado. Por exemplo: alguém do futuro se envolve em uma revolução qualquer. Ao invés de dar o trono pra alguém da época, esse ser débil mental se torna um rei no passado. Logo, ele foi contra a maré do destino e isso causa um paradoxo.”
“Ah, acho que eu entendi...”
“Gen-chan, qual é o paradoxo mais grave?”
“Hmmm, eu diria que é o Paradoxo Final.”
“Como que ele é?”
“É o paradoxo mais simples. Um viajante do tempo altera a história de modo que a viagem no tempo não seja idealizada e concretizada. Isso modifica toda a história do universo, porque todos os acontecimentos de envolveram pessoas de outras eras e linhas do tempo são apagados. Basicamente, isso destruiria todo o destino que o mundo segue.”
“Isso já aconteceu alguma vez, velhote?”
“Não é óbvio que não, Shouzo-chan?”
“Ah, verdade.”
“Gen-chan, tem como as linhas do tempo de diferentes Juízes serem opostas uma a outra?”
“Como assim?”
“Tipo, o meu passado é o seu futuro?”
“O nome disso é Paradoxo da Descontinuidade. Não é tão grave assim.”
“Velhote, existem outros tipos de paradoxo além do temporal?”
“Sim, existem os paradoxos espaciais, como o Paradoxo da Dicotomia. Isso é avançado demais pra vocês.”
“Eu nem me preocupo em saber demais.”
“Se eu sei demais ou sei pouco eu vou me prejudicar. Esse é o pensamento, não é mesmo?”
“Sim.”
“É, muitas vezes, a vida se resume a isso.”
“Gen-chan, vamos criar o Clube da Vagabundagem depois desse semestre!”
“Eh, você não tem nada melhor pra fazer não, Ridou-chan?”
“Como o que?”
“Flertar com a Kuromi-chan, apalpar ela por todo o corpo... Sabe como é, atos lascivos e tal...”
“Provavelmente ela inverteria a ordem normal das coisas... Você sabe a sensação de levar chibatas por uma tarde inteira?”
“Melhor do que muita gente, Ridou-chan!”
Sim, as lágrimas de um homem verdadeiro! Em cima de um rochedo, ondas batem em meio a tempestade de masculinidade! Sem homossexualidade! Há algo mais belo que a compreensão e a amizade entre dois machos verdadeiros? É claro que não!
O fato do Gen-chan ser esquecer de abotoar a camisa e esquecer de pentear o cabelo deixou ele com um aspecto nojento de “machão sedutor”. Afinal de contas, o cabelo dele estava todo pra trás, como se ele tivesse sido forçado a ficar assim. De qualquer forma, nosso primeiro dia de aula foi assim.
Eu não consigo ver maldade ou verdadeira malícia nos olhos do Gen-chan. Em compensação, eu não consigo ver nada nos olhos dele além de um gosto por ensinar. Todo vagabundo tem alguma coisa que o faz sair da inércia. A educação é o que o faz se mexer e viver. Isso é algo que ainda falta em mim, mas um dia eu dou um jeito nisso. Agora, meu foco é aprender tudo o que eu puder, ser o melhor que eu puder ser, em prol da Yukiko, a pessoa que teve compaixão comigo em um ponto onde eu poderia apenas morrer.
Eu me sinto realmente sortudo por ter um bom professor como ele. A maioria dos professores, atualmente, só ensinam por causa do dinheiro e do mérito que se ganha sendo um professor. O que difere um professor de o professor é a vontade e o gosto de ensinar. No fim, a diferença de tudo é a vontade de um indivíduo.
Parte III
As aulas do dia acabaram e o sol já havia deixado de iluminar o céu. A noite tomava conta do campus estudantil do Elo. Um sentimento tenebroso e pesado enchia o meu coração e o do Shouzo. Um pouco antes de sairmos da sala, Gen-chan, nosso professor, conselheiro e ídolo nos falou para comunicar às nossas parceiras que não poderíamos sair em trabalhos durante seis longos meses.
Quando chegamos em nosso quarto, no dormitório masculino, tomamos banho um após o outro e jantamos uns sanduíches que compramos no caminho de volta. Shouzo e eu estávamos bem preocupados sobre o que fazer em relação à Yukiko e Misaki.
“Então, como vamos falar com elas agora?”
“O único jeito é ir até o dormitório feminino. Os dormitórios são abertos à todos até as 22. Que horas são?”
“20:30. Ainda temos uma hora e meia.”
“É melhor falar com elas ou mandar uma carta ou bilhete?”
“Prefiro a segunda opção.”
“Eu também.”
“Vamos escrever a mesma coisa, com palavras diferentes. Se elas são amigas, provavelmente vão contar isso uma à outra, logo, as cartas não podem ser iguais.”
E assim, nós dois começamos a escrever nossas cartas.
Hmmm... Vamos revisar essa maldita carta.
[Boa noite ou bom dia, Yukiko.
Escrevo-lhe esta carta com o intuito de pedir-lhe desculpas. Pelo fato de eu ser um parceiro incompetente e não atender às suas expectativas, eu descobri que realmente sou burro. Pelo fato de seu ser burro, eu tenho que me esforçar mais que os outros pra chegar no seu nível e poder te ajudar de alguma forma.
Você sabe, as suas aulas provavelmente são de manhã e aí você tem o resto do dia livre pra viajar pelo tempo-espaço tentando corrigir paradoxos. Mas as minhas não. Pelo fato de eu ser incapacitado, eu terei aulas teóricas com o Gen-chan por todos os três períodos, logo, não poderei viajar pelo tempo com você. Peço-lhe desculpas por isso, você terá que ficar afastada dos seus deveres por meio ano. Prometo que vou te recompensar quando a hora for certa.
Com arrependimentos e preocupações, Ridou.]
É, acho que está bom o suficiente. Ela vai ficar brava por eu não me desculpar por brigar com ela, mas isso já não me importa. Ela pode me odiar, mas eu vou fazê-la feliz. Ela vai ficar a salvo da obscuridade que esse mundo pode apresentar, isso eu garanto. Ou algo do tipo.
Assim que eu e o Shouzo terminamos nossas cartas, rumamos em direção ao dormitório feminino. A noite inspirava medo.
Não sei porque, mas eu não gosto da noite. Nem de noites de verão. Eu acho que a noite muda o ser humano demais, haja vista que há um sentimento de liberdade e libertinagem na noite. Parece que tudo que você fizer de noite vai desaparecer na manhã seguinte. Feliz e infelizmente, isso não acontece. Uma garota estuprada de noite não vai esquecer o que aconteceu. A família de um homem assassinado de noite não vai esquecer o que ocorreu. A noite instiga a violência, a irracionalidade e, muitas vezes, a brutalidade. Os melhores exemplos de noites desumanas são a Noite de São Bartolomeu e a Noite dos Longos Punhais. O preconceito religioso e a traição foram instigados nessas noites diabólicas.
De qualquer forma, eu e Shouzo estávamos temerosos de encontrar com a Yukiko e a Misaki no meio do caminho. Queríamos apenas entregar a carta e sair o mais rápido possível de lá.
“Ridou, eu estou com medo...”
“Eu também, Shouzo. Mas a gente tem que fazer isso.”
“Infelizmente.”
“É, infelizmente.”
Quando chegamos no dormitório feminino, era 21:00. Ainda tínhamos bastante tempo. Olhamos no quadro de informações e descobrimos que, surpreendentemente, a Yukiko e a Misaki estavam morando juntas. Sim, estávamos chocados. É por isso que elas estavam tão amigas.
“Ridou...”
“Sim, é certeza absoluta que elas falaram mal da gente uma para a outra.”
“Ah, como a vida consegue ser tão cruel?”
“Isso é uma dúvida que eu também tenho.”
“Se bem que, se for pensar, elas também devem ter se assustado de nos ter visto juntos.”
“Eu não acho. A Yukiko não liga pra esse tipo de coisa.”
“É, a Misaki também não.”
“Vamos fazer o que temos que fazer e sair daqui rápido.”
“Certo!”
Quarto 205, Aihara e Kuromi. Nós ouvíamos vozes dentro do quarto. Obviamente, entregar a carta por debaixo da porta seria escroto demais até pra gente. Tanto eu quanto o Shouzo sabemos disso. Logo, pusemos nossos ouvidos na porta, com o intuito de saber o momento certo de entregar a carta. E ouvir a conversa delas, obviamente.
“Então, que que a gente vai comer, Yuki-chan?”
“Não sei, Misa-chan.”
“A gente não pode viver de macarrão instantâneo, não é mesmo?”
“É, a gente tem que comer comida de verdade.”
“Mas quem que vai cozinhar pra gente?”
“A comida do Ridou é muito boa... Mas...”
“É. A gente não pode correr atrás deles.”
“Eu realmente não deveria ter falado tudo aquilo pra ele.”
“Nem eu, mas nós duas já somos quase profissionais. Não podemos nos deixar levar por esse tipo de coisa.”
“É verdade. Há coisas mais importantes que isso.”
“E eu aposto que aqueles dois vagabundos devem ficar dormindo na aula. Eu ouvi dizer que eles pegaram o Houdo-sensei como instrutor.”
“Ah, é o pior professor possível pra eles...”
“Sim, é como se a Santa Trindade da Vagabundagem se completasse!”
“Haha, verdade!”
“Sinceramente, eu não sei porque o Shouzo escolheu se tornar Juiz do Tempo. Ele era um bom-pra-nada antes. E continua sendo, de certa forma.”
“Eu também não entendo muito os motivos do Ridou, mas ele disse algo como “eu gosto de variedade no meu dia-a-dia”, eu acho.”
Eu nunca falei isso pra você, Yukiko! Maldita!
“Ele parece ser bem estranho...”
“Ele é. Não que isso mude muita coisa...”
“É, eu digo o mesmo...”
“Orgulho em não fazer nada... Como isso é possível?”
“É um dos mistérios da vida!”
“Que tipo de ser humano se orgulha em perder a vida olhando os outros?”
“O tipo “vagabundo”!”
“Ah, isso é muito complexo pra minha cabeça...”
Eu estou começando a ficar impaciente com isso, e pelo olhar do Shouzo, o mesmo se passa na mente dele. O pensamento de “o quanto vocês conseguem falar da gente como se fôssemos de outro planeta!?” começa a nos irritar cada vez mais...
“Ridou... Sinceramente... Se eu ouvir mais alguma coisa disso, eu vou dar rage quit na vida.”
“Uhehehe, já parou pra pensar que a gente pode simplesmente falar alto aqui, e elas não vão ter coragem de abrir a porta?”
“Você, cara! Você é um gênio! Eu acho...”
“Essa é a vida, não é mesmo!?”
“Nós podemos ser vagabundos, mas nós também temos algo precioso para nós!”
“E o que seria isso, Shouzo!?”
“Nossas parceiras!”
“O bem estar delas, seu trouxa! Pouco nos importa se a gente se suja. Elas tem que ter uma vida feliz! Esse é o meu propósito. E é o seu também, não é mesmo!?”
“É, por isso que a gente não vai deixar elas casarem com os ingleses escrotos dos Franklin, não é mesmo?!”
“Não, por mim tanto faz!”
“Você gosta da Yukiko ou simplesmente odeia o bonitão escroto!?”
“Proporção de 7:3 pro ódio!”
“Você é realmente trevoso, não?!”
“Não, eu sou só um observador na vida!”
“Que que isso tem a ver!?”
“Ah, cale a boca! Vamos entregar essas malditas cartas pra elas logo!”
“Não quero!”
“Então as cartas vão ser entregues por debaixo da porta!”
Tudo isso foi feito com um sorriso no rosto, afinal de contas foi um grande progresso no quesito “coragem” para nós dois. Caso nossa paciência fosse um pouco maior, não teríamos conseguido isso. Eu sou preguiçoso, mas não desmotivado! Ou é isso que eu acho.
Obviamente, não foram só elas que ouviram o que nós falamos. A pessoa que tinha cara de ser a chefe do dormitório saiu do seu quarto e começou a berrar e urrar violentamente, como um urso. Mesmo que ela fosse bonita, ela parecia um Rei Demônio naquela hora em especial.
“Calem a boca pelo amor de Deus! Ninguém se importa! Tem gente querendo dormir e estudar aqui!”
Nisso, todas as outras garotas saíram de seus quartos, excluindo as do quarto 205. Um tumulto começou ali.
“Shouzo, estratégia de retirada A!”
“O.K.!”
A “estratégia de retirada A” consistia na sedução e sexualidade que somente eu e o Shouzo conseguiríamos reproduzir. Em sincronia, puxamos a gola da camiseta, pusemos a outra mão na confabulada articulação do inferno (bacia e fêmur), fechamos um dos olhos, inclinamos o corpo de maneira sensual, e mandamos um beijo quente para as garota.
Se deu algum bom resultado, você pergunta? É óbvio que não.
“Shouzo, estratégia de retirada C!”
“Porque não usamos a B?”
“Porque elas estão em modo berserk!”
“Ah, faz sentido.”
E então, nós dois começamos a correr como se todo o inferno estivesse atrás de nós almejando nossas puras almas. Eu nunca senti minha integridade ser tão ameaçada.
“Ridou, porque a estratégia A não deu certo?! A gente pesquisou no meio da aula, “como seduzir as pessoas”!”
“Talvez porque você aprendeu a seduzir como uma mulher, cara! Que pose foi aquela de “Mostrando as tetas sem querer”? “Mostrando a linguinha”! Você é uma atriz pornô por acaso!?”
“E você? Aquela pose de “agora eu sou um bonitão, contemple!”? Que merda foi aquela?”
E assim, nós caímos na risada enquanto corríamos com o nosso pulmão quase falhando. O sedentarismo tem seus contras, e a falta de resistência pra qualquer exercício físico é um deles.
Essa foi a segunda de muitas noites problemáticas e divertidas no Elo. Quando chegamos no nosso quarto, no nosso dormitório, finalmente pudemos relaxar. Uma disputa pra tomar água tomou conta do quarto.
No fim das contas, ele é o único amigo que eu já fiz. Um companheiro valioso, que compartilha da mesma opinião que eu. Eu sei, nós nos conhecemos faz 2 dias. 2 míseros e maravilhosos dias. É pouco tempo, normalmente. Mas, é como se eu já conhecesse ele antes. Como se fosse um amigo de infância.
Nós dois temos o mesmo objetivo. Nós devemos nos tornar dignos de nos chamarmos de “parceiros” daquelas duas garotas. Devotar o corpo e a alma em prol delas é pouco, ao nosso ver. O nosso propósito já há muito foi definido, mas só hoje nós percebemos o que ele é. Está escrito nas linhas do destino e assim será. O nosso propósito de proteger os sorrisos daquelas duas. Mesmo que elas sejam tsundere, sadistas, folgadas e tenham todos os defeitos, é a nossa vontade e dever apoiar elas em tudo, certo ou errado. Bonito ou feio. A qualquer hora, em qualquer circunstância.
Eu realmente não sei o porquê disso tudo estar acontecendo comigo. Mas, um dia eu vou descobrir o motivo de eu ter me tornado um Juiz do Tempo. O motivo por trás da verdade e da mentira. O fato que está escrito nas correntes do destino que nos aprisionam à ilusão de que vivemos e morremos por nada. Eu afirmo: nada nesse mundo é por acaso! E eu vou descobrir tudo que eu puder, como todo bom teórico.
Capítulo I – Propósito
Parte I
Uma dramática e extrema virada de página. Sim, esse é o melhor jeito de descrever a minha situação.
Meu nome é Akashiro Ridou, tenho 15 anos de idade e atualmente estou morando com a antiga garota dos meus sonhos. Infelizmente, a vida que eu levo é completamente fora do padrão e completamente livre de descanso. Eu quero meus três dias de luto. O que morreu, você me pergunta? A minha amada vida.
Quero dizer, existe vida e existe vida. Vida no sentido biológico, de ser um organismo vivo, respirar, gerar energias, gastar energias e vida no sentido filosófico, de como se vive, porque se vive e coisas do tipo. Eu perdi a minha razão de viver. Eu perdi meus dias de tranquilidade, em troca de algo chato como viagem no tempo. Se for parar pra pensar, isso nem é grande coisa, porque já está escrito nas linhas do destino que algo ocorrerá. Algo ocorreu e não me importa como isso ocorreu.
Provavelmente a única vantagem que eu vejo nessa situação toda é viver no mesmo teto que a Yukiko. Não é como se ela fosse uma empregada ou fosse fofa, a nossa relação é algo mais como “predador e presa”, “mestre e empregada”, “sadista e masoquista”. Vale constar que eu sou a presa, a empregada e o masoquista. Isso soou estranho, mas não foge nem um pouco da realidade. Quero dizer, é normal alguém gostar de dar chicotadas, chibatadas e variantes? E é normal alguém começar a gostar disso?!
Felizmente, ontem eu descobri um dos únicos prós de ser um Juiz do Tempo: pode-se viajar no tempo sem estar em dever. Isso quer dizer que eu posso fugir da Yukiko quando o lado sadista dela tomar conta.
De qualquer forma, hoje parece ser um dia especial. A Yukiko estava feliz, nem um pouco sadista ou dominadora. Ela até fez meu café da manhã e me chamou pra sair de tarde. Ah, correção: me “convenceu” à sair de tarde. Pelo o que eu vi dos produtos que nós consumimos, provavelmente estamos na Inglaterra. É bem improvável estarmos no Japão, com todas as latas e embalagens da casa em inglês.
Quando ela sair do quarto dela, eu vou perguntar onde nós moramos. Sim, eu me recuso à entrar naquele quarto. Provavelmente ela vai começar a me tratar como empregadinha se eu entrar lá. O terror de ter que abanar um leque por 5 horas inteiras, meus amigos, é algo extremo! Seus músculos da axila, seus braços e articulações doem por inteiro. Próximo do fim dessas 5 horas, eu já estava abando o leque com o corpo inteiro, pulando. Essa é a vida, nem um pouco divertida.
Apesar disso tudo, a Yukiko ainda me encanta. Na maior parte do tempo, ela é uma pessoa normal, uma adolescente introvertida e realmente tímida. Creio eu que ela não é verdadeiramente sadista. É só uma válvula de escape pro estresse e nervosismo do dia-a-dia.
De qualquer forma, a manhã passa e a Yukiko sai de seu quarto. Surpreendentemente, ela fala comigo em um tom normal.
“Boa tarde.”
“Boa tarde.”
“Que que a gente vai ter pro almoço hoje? Macarrão instantâneo?”
“Claro... Que não! Eu me recuso a viver disso. Deixa que eu cozinho alguma coisa.”
Sim, eu me arrependerei disso. Eu abro a geladeira e... Era a visão do inferno. Literalmente. Uma aura negra circulava pelos ovos que já deveriam estar vencidos há eras e eras atrás. Cebolas que estavam pretas de tão velhas. E o cheiro de cadáver que vinha da carne podre? Quero dizer, é impensável ter algo assim na cozinha!
“Ei, Yukiko... Que merda é essa?”
“Está tudo em perfeito estado...”
“Só se for em perfeito estado maléfico! Acho que ninguém teria coragem de comer algo assim. Vamos fazer o seguinte: você limpa toda essa zona e eu vou no mercado.”
“Você sabe onde é o mercado?”
“Não sei nem onde eu estou vivendo, pra início de conversa.”
“Duas quadras da sua antiga casa.”
Eu estava chocado. Como assim?! Que tipo de pessoa só compraria produtos importados? Com que dinheiro?!
“Então porque a gente só consome produtos importados? E com que dinheiro, Yukiko?”
“Mas... Produtos importados são muito melhores... E o dinheiro eu ganho do Elo...”
“Elo?”
“Você vai entender, quando chegar a hora.”
“Ah, tá. Então eu já volto!”
“Ah, Ridou, compre chocolate. Você sabe o tipo e marca que eu gosto, não é mesmo?”
Claro que eu sei. Você me fez escrever o nome dele 150 vezes enquanto me dava chibatadas. Se eu não soubesse, meu corpo pagaria por isso.
De qualquer forma, eu não me esforço pra saber mais do que atualmente sei. Nem acho que devo fazer algo em prol disso. Saber pouco é claramente perigoso, mas, saber demais é ainda mais perigoso. Afinal de contas, os hitokiri e assassinos de qualquer revolução fazem todo tipo de trabalho sujo e por isso acabam sabendo demais, são executados sem dó nem piedade.
Com tudo isso, eu quero dizer que não me interessa saber o que é o Elo ou se existe algo além de Juízes do Tempo. Também, não é como se eu fosse algo como um hitokiri. Isso é extremo demais, a gente não tá na Restauração Meiji ou algo do tipo.
A caminhada até o mercado foi agradável, uma brisa leve me acompanhou. No mercado, eu comprei arroz, ovos, carne e esse tipo de coisa. O suficiente para dois dias. A volta foi como a ida. Foram momentos agradáveis.
Ao chegar em casa, sou recebido pela Yukiko fazendo uma cara de choro. Naturalmente, eu olho para ela com curiosidade.
“O que aconteceu, Yukiko?”
“Eu... Eu limpei a geladeira.”
“Deve ter sido traumatizante.”
“Eu nunca mais vou deixar as coisas comidas pela metade na geladeira e nunca mais vou deixar a comida ficar velha.”
“Seria bom eliminar esse hábito.”
“É bom você cozinhar algo muito bom pra mim, Ridou!”
“Eu vou.”
Dito isso, a Yukiko foi tomar banho era hora de cozinhar. Eu posso ser um vagabundo, mas eu sei fazer as coisas que me ensinam. Arroz, ovos fritos e carne são coisas que eu sei fazer. E muito bem, de acordo com minha mãe. Saudades, mamãe!
Como uma clássica dona de casa, eu ponho a mesa e chamo a Yukiko pra comer.
“Waaaaah, que delícia! Você realmente sabe cozinhar?!”
“Sim.”
“Eu achei que você era só um verme que se escondia num antro de vagabundice.”
“Na maior parte do tempo, sim.”
“E você não nega nem um pouco disso.”
“Pra falar a verdade, eu tenho orgulho do estilo de vida que eu levava.”
Com um olhar surpreendentemente triste, ela me pergunta algo que provavelmente se tornaria em tabu, caso ela não me perguntasse isso agora.
“Você gostaria de voltar a ter aquele tipo de vida?”
“Hm... Eu realmente amo não fazer nada. Guardar energia, viver como um observador, um figurante, em geral. Se destacar é ruim, sabe? Em compensação, eu não gosto de coisas monótonas. Eu odeio e gosto da rotina de um vagabundo, porque enquanto que minha vida em si é monótona, eu posso ver tudo que os outros fazem, e isso é muito divertido. De qualquer forma, não é como se eu odiasse a vida que levo agora. Agora é agora, antes é antes. Respondendo à sua pergunta, não. Eu não abriria mão do que tenho agora em troca de dias de vagabundagem.”
Eu digo isso, mas tudo o que tenho é uma vida quase frenética e uma convivência brutal com a Yukiko. Mesmo com essa resposta convencional, ela abriu um sorriso que me deixou perplexo. Literalmente. Por favor, cozinhe para mim todas as manhãs! Case comigo!
“Isso é surpreendente, nem parece que você é a incorporação dos 7 pecados capitais!”
Eu achei que tinha algo estranho em ela sorrindo de um jeito tão inocente...
“Ei, raiva e preguiça não combinam!”
“Ah, você tem razão. Me desculpe, você é a incorporação de um NEET otaku nojento.”
“De alguma forma, eu sinto que isso é pior do que tudo.”
“Pelo menos seus instintos animais estão ativos, não é mesmo? Estou falando há uns dias, mas você ainda vai se tornar meu cão. Com coleira e tudo.”
“Como você conseguiu distorcer tanto essa conversa, Yukiko?”
“Conseguindo.”
Terminamos nosso almoço assim. O Deus do Sadomasoquismo é um cara realmente perturbado! Quero dizer, não podemos ter uma conversa normal durante o almoço?! Sempre tem que terminar comigo quase mordendo a fronha mentalmente, me tornando um cachorro dela ou algo do tipo?! Isso não é desagradável. É repulsivo, cara. Pare de ser tão bizarro com os seus fetiches, Deus do Sadomasoquismo!
“Ah, já é hora de irmos ao Elo.”
“Vamos fazer o que lá?”
“Você verá, Ridou.”
“Ah, por mim tanto faz.”
Logo após essa breve conversa, nós saímos em direção ao tão falado “Elo”.
Realmente, eu não sei que tipo de problemas eu arranjarei no dia de hoje. Eu digo isso porque eu tenho o pressentimento de que algo chato vai acontecer. Pra falar a verdade, sempre que eu saio com a Yukiko, alguma coisa ruim acontece. Só pode ser o destino me falando pra criar raízes no sofá e nunca mais sair de lá.
Eu realmente estou disposto à não fazer nada, a viver uma vida de preguiça. E isso já foi afirmado diversas vezes que eu sinto que estou virando monótono até demais. Até mesmo chego ao ponto de conceituar o termo e tecer uma rede de reflexões sobre ele. Não que eu realmente me importo com isso, mas, eu não posso evitar esse tipo de coisa. Sério. Então, vamos por partes. “A preguiça pode ser caracterizada como aversão ao trabalho, bem como negligência, morosidade e lentidão.”, isso é o que um dicionário ou um filósofo de verdade diria. Ao meu ver, a preguiça é muito mais que “negligência, morosidade e lentidão”. A preguiça é um estilo de vida, é uma filosofia de vida e ação, digo até que é a essência verdadeira do ser humano.
Em realidade, a mente do ser humano é inerte. Há uma grande necessidade de estímulo e influência para que se haja algum tipo de ação. Caso contrário, o ser humano fica onde está, sem querer ir pra frente e com uma perigosa tendência de regredir, ir para trás. Logo, o próprio ser humano é inerte, não importa o quanto se faça de exercício físico ou o quanto se esforce. Se não tem um motivo para ser feito, é inércia, é não sair do lugar. É uma ilusão constantemente contada a de que “coisas boas virão para quem se esforça”. Muita gente só “se esforça” porque é obrigado e não porque quer. As coisas boas do mundo estão lá pra quem quer, não pra alguém sem motivação própria.
Sim, é inapropriado um vagabundo como eu pensar assim. Pra falar a verdade, é extremamente contraditório. Como um assíduo vagabundo, eu não deveria nem pensar. Estado vegetativo é vitória! Mas, no final de tudo, eu não sou mentalmente vagabundo. Eu sou um poser! Eu compreendi o que eu sou, no momento em que entrei nessa casa com a Yukiko. Eu sou um simples observador, nada além disso. E nem quero passar disso, deixando claro. Não que eu tenha alguma escolha, não é mesmo?
Seguindo adiante nesse momento másculo de filosofia, vamos refletir sobre o que é ser uma vadia. Sim, é bem diferente de ser um vadio, meus caros. Digamos que uma certa mulher diz ser adepta da Marcha das Vadias. Você chama ela de vadia. Ela se ofende? Obviamente! Feministas são o câncer do mundo, meus amigos! Digo-lhes meus motivos por trás da afirmação extremista cunhada na direita social e política: já vi muitas mulheres tarando a bunda de homens aleatórios. Literalmente tarando. Eu conseguia ver uma aura se materializando e mexendo a bunda do cara. Era nojento. Mais nojento ainda é pensar que essas mulheres em especial estudavam comigo na oitava série. Na mesma semana, nós garotos, em uma tempestade de libido, fizemos o mesmo com elas. Canalizamos toda a nossa energia vital nos olhos em prol daquelas bundinhas. Sim, nós fomos chamados de machistas, nojentos e “cultivadores da cultura do estupro”. Quero dizer, elas podem e nós não? Que tipo de filosofia é essa que prega superioridade feminina sobre o homem?
Sim, eu sei que tem feministas que não são assim. As pessoas que sabem agir civilizada e racionalmente. Mas, é fato de 80% das “pessoas” que se proclamam “feministas” são pessoas extremamente butthurt. Sim, não há termo melhor que esse: bunda doída! Revolucionário de sofá! Lixooooooooo!!!!!!
Só mais uma coisa, antes de fechar meus pensamentos sobre o que é ser uma vadia/o que é ser uma feminista: você, que é feminista até ter que rachar a conta do restaurante, você tem o meu total desprezo. Eu te odeio de corpo e alma!
Sim, eu saí completamente do contexto, mas vale lembrar que uma coisa leva a outra. Se eu penso em vagabundagem, eu penso em vadiagem, logo, penso em vadias. Pensar em vadias é o mesmo que pensar em feministas. E Essa é a vida. Também tem aquela filosofia, né, “eu estava coçando o saco e uma coisa leva a outra...”
No final de tudo, eu só posso dizer que eu perco tempo demais pensando em coisas essencialmente fúteis e sem sentido ou significado. Quero dizer, quem leva uma reflexão tão longe e muda tanto assim de assunto? Eu realmente pretendia fazer uma bela reflexão, daquelas que você lê e se identifica. Mas... O ódio de um homem não é algo a ser suprimido, isso é senso comum. Raiva guardada dá câncer, sabe como é.
No final das contas, eu realmente tenho medo do que está por vir no Elo. Pensar em outras coisas é uma forma de espairecer, creio eu. Todo esse universo à ser desbravado me assusta, sinceramente. É fora do que me era comum. Viagens no tempo, viver junto do meu parceiro, toda uma organização baseada em parar os paradoxos, a obtenção da verdadeira linha do tempo, a obtenção da verdade. Tudo isso é muito pra minha cabeça. É como se eu tivesse que aprender russo, com caracteres e letras que eu desconheço. É tudo muito difícil e maçante.
Parece aquelas situações de mangás e light novels, onde o protagonista simplesmente é fraco demais pra ficar do lado de sua amada e por isso tem que ficar forte, aí ele descobre que tinha um potencial latente imenso.
E não, eu não gosto e muito menos amo a Yukiko. Só quero proteger o sorriso dela. Ou algo do tipo. Coisa de macho. Idiossincrasia e tal. É a vida, meus caros.
Parte II
Sim, sim, sim, sim, sim!!! O sonho de todo homem (virgem)! Ter uma garota andando na garupa da sua bicicleta! É simplesmente fantástico! Não, é muito mais que fantástico... É miraculoso! É o objetivo de vida!
Ainda sim, o fato de ter a Yukiko andando na minha garupa é muito melhor do que “o objetivo de vida”. Porque ter uma garota bonita andando na sua garupa, é um feito para três vidas. É muito mais do que eu poderia pedir. Ela dando as orientações em relação ao caminho com o corpo levemente encostado no meu é o suficiente pra me fazer pedalar direito. É, eu, Akashiro Ridou, estou pedalando sem estar reclamando. Mulheres são algo belo, fofo, agradável e assustador. Especialmente as bonitas.
De qualquer forma, eu me conscientizo de que deveria saber um pouco mais sobre o Elo, já que eu estava indo lá.
“Ei, Yukiko. O que exatamente é o Elo?”
“Ah, já que estamos indo lá, não faz mal você saber um pouco, não é mesmo?”
“É... Eu acho?”
“Elo do Tempo e Espaço. Parece algo muito maior do que é, mas é basicamente a organização para a qual nós trabalhamos. Em pares, como um Juiz do Tempo e um Vinculador do Espaço.”
“Vinculador do Espaço?”
“Se você, um Juiz, consegue viajar no tempo, viajar pelos fatos, eu, uma Vinculadora, consigo viajar pelo espaço. Logo, você não é nada sem mim e vice versa. Em teoria.”
“Em teoria, é?”
“Nós não sabemos qual é a extensão dos seus poderes, logo, não sabemos se você é um parceiro “digno” de mim.”
“Em aspas, é?”
“Você sabe, eu te escolhi. Eu não acho que você tenha pouco potencial. Pelo contrário. Sabia que geralmente é necessário ir pra uma escola e aprender as mecânicas do tempo e espaço e aí se tornar um Juiz ou Vinculador? Caso contrário, o cérebro do iniciado no ritual fritaria ou excederia sua capacidade.”
“Ei, ei, você fez algo tão arriscado assim comigo?”
“Sim, e você passou por isso. Mas, não fique se achando. Você pode ter sido um dos únicos 10 a conseguir isso, mas você não tem noção nenhuma das mecânicas. E é isso que você irá aprender hoje e todo dia da sua vida por três anos. O Elo é uma instituição educacional e profissional.”
“Ah, isso soa como algo muito chato.”
“Provavelmente. Eu também não gostava. Até que eu passei de teórica pra prática.”
“Ah, não quero passar de teórica pra prática nunca~”
“O quão vagabundo você consegue ser?”
“O quanto eu quiser, Yukiko-chan~ Ahahaha~”
“Preste atenção onde você tem que ir, seu idiota! Vire na direita aqui.”
“Eh, esquerda, é?”
“Quando a gente voltar pra casa, você vai ser violado infinitamente e você sabe disso não é mesmo, Ridou~”
“Sim senhora! Por favor perdoe meus sacrilégios e indolências!”
“Se você falar “Por favor, perdoe-me do fundo do meu ser, Yukiko-sama!”, talvez eu pense nisso.”
“P-Por favor, perdoe-me do fundo do meu ser, Yu-Yukiko-sama...?”
“Você é realmente masoquista né?”
“Ah, fecha essa boca, pelo amor de Deus!”
“Chega dessa simulação de conversa entre seres humanos.”
“Ah, chata como sempre.”
Após eu dizer isso, ela me beliscou na junta da bacia com o fêmur. Eu acho que uma dor dão infernal e intensa jamais foi e jamais será sentida novamente. Quero dizer, dores que não envolvem genitália. Inclusive, eu ouvi falar na TV que tem uns caras meio retardados que enfiam alfinetes na uretra. Quero dizer, quanta dor isso pode causar? Não tem nenhum tipo de limite nessa vida deficiente mental que eles vivem? Me dá calafrios toda noite só de pensar em chutar a parede com um palito de dente debaixo da unha do dedão do pé. Imagine fazer algo assim com a genitalia Isso é muito bizarro pra mim. Ou pra qualquer pessoa normal.
De alguma forma, nós acabamos conseguindo chegar no Elo. Eu percebo uma aura estranha ao redor da Yukiko, olho para ela. Seus olhos estavam transbordando ódio. Eu sentia que dava pra pegar esse ódio nas minhas mãos. Uma garota peituda, loira, com cara de estrangeira e um daqueles caras que todas as garotas ficam babando em cima vieram falar com a Yukiko.
“Ara, Kuromi-san, o que você está pensando? Trazendo um plebeu como ele pra esse recinto sagrado...”
“Ele é o meu parceiro, Vaca!”
“Ah, como esperado de você. Fingindo que fez o ritual, é? Não se rebaixe tanto assim. Ahaha~”
“Eu achei que você só sabia mugir e comer pasto. Desculpa, mas nossa simulação de conversa entre seres humanos acaba aqui.”
Ah, eu sou a cobaia dos insultos dela... Interessante, no mínimo. Parece que foi um hit crítico na loirinha chata ali...
O bonitão escroto ficou me olhando com curiosidade, no meio disso. Eu olhos nos olhos dele com desinteresse, e ele sorri, então faz um sinal de “Fazer o quê, né?” com as mãos. Ah, que nojo, cara!
“Ah, Kuromi-san, por favor perdoe-a por seus maus modos.”
“A-Ah, claro, Gerard-kun.”
Ei, ei, você tá ficando vermelha, Yukiko? É isso mesmo? Vou usar isso pra tirar sarro dela depois.
“Então, quem seria você?”
“Ah, meu nome é Akashiro Ridou.“
“Ah, compreendo. Meu nome é Gerard—“
“Tanto faz.”
“Ridou! Não seja mal educado!”
“Minhas sinceras desculpas, Gerard-san.”
Você me fez pedir desculpas pra esse escroto, Yukiko?
“Ah, compreendo. Então, nós entraremos em nosso caminho e não importunaremos você mais.”
“Tchau, Gerard-kun.”
“Tchau, Kuromi-san, Akashiro-kun.”
Sinceramente, eu não gosto de você, cara. Por que? Porque sim.
Enquanto eu vejo eles se distanciando, eu ouço a Yukiko dar um suspiro de alívio. Quero dizer, o quão patético isso pode ser?
“Ei, Yukiko...”
“Que foi?”
“Não me diga que você está apaixonada por aquele sociopata escroto?”
“Não. Eu tenho que parecer apaixonada, mas também acho ele muito bonito e elegante.”
“Mas isso é muito podre (e estranho)!”
“Como assim?”
“Você ficando vermelha, suspirando... Essa não é você, se recomponha, por favor. Pelo bem da minha integridade mental.”
“Ah, cale a boca.”
“Então, quem é aquela que você chama de vaca?”
“Elizabeth Grey, nome e sobrenome, maneira ocidental. Só uma nobrezinha prepotente que se acha mais que os outros por poder viajar no espaço.”
“Ah, ela é uma Vinculadora como você, é? Então por que você não pegou o Gerard como parceiro?”
“Porque nós somos noivos, logo, é impróprio ter ele como parceiro.”
A vida é muito brutal comigo, cara. Me sinto em um doujinshi de NTR, sendo eu o corno manso. Não tem como não chorar.
“Vocês são noivos, é?”
“Nossos pais decidiram isso quando éramos crianças...”
“E você está louquinha pelo dia em que isso vai acontecer, não é mesmo?”
“Que que há com você?”
“Nada, Yukiko. Vamos terminar nossos negócios aqui e voltar para casa.”
“Nós só vamos voltar para casa para pegar nossas coisas, e aí vamos começar a morar aqui no campus do Elo, como todos os Juizes e Vinculadores.”
Ah, meus delírios e fantasias sendo desconstruídos um por um... Hoje é provavelmente o pior dia da minha vida, cara. Mesmo que eu não gostasse da Yukiko, não era incomum ou errado ter sonhos de brutalidade e suavidade enquanto ela mordia a fronha, não é mesmo? É até normal! Quero dizer, minha mente me deprecia profundamente. Pensar que há um mês eu era um cara essencialmente puro nos caminhos da vagabundagem! Eu acho que eu nem teria vontade de fazer qualquer coisa em relação à Yukiko. Mas, ah, cara, se tem alguma coisa que eu odeio mais do que ter que fazer alguma coisa, é aquele bonitão escroto. Roubador de sonhos e esperanças! Como que eu vou dormir à noite sabendo que um dia a Yukiko vai ser violada por você? Hein?!
“Tá bom, Kuromi, vamos logo com isso.”
“Kuromi...?”
Sim, meu travesseiro de esperanças e fantasias foi tirado de mim. Mas, de alguma forma, eu não me sentia tão incomodado por isso. Talvez mais do que o normal, mas menos do que eu deveria. Enfim, nós nos locomovemos até o lugar onde eles fariam os testes comigo e ver em que classe eu deveria me encaixar.
No teste teórico, eu tirei 1/10. No teste prático, eu tirei 0/10. No teste de filosofia do tempo, eu tirei 6/10.
“Akashiro-kun, você tem um longo caminho à trilhar! Você tirou as notas mais baixas da história do Elo!”
A minha vida, cara, ela estava acabada. A minha humanidade me deixou, agora eu sou apenas um aglomerado de carne e ossos. Provavelmente, essa noite eu vou sofrer muito nas mãos da Yukiko.
“Então, como foi, Ridou?”
“Eu... Tirei as notas mais baixas da história do Elo.”
“Você o quê!?”
“Você ouviu.”
“Eu não acredito que eu fiz alguém tão imprestável assim se tornar o meu parceiro...”
“É, me desculpe.”
“Você é burro ou é o que?”
“Me desculpe.”
“Tem que ser muito retardado pra conseguir essa façanha! Como você conseguir fazer isso?”
“Isso não te interessa, sabe? Você é a minha mãe por acaso? Minha namorada? Minha amiga? Não! Então, fique quieta, pelo santo amor de Deus!”
“Eu não sou... Sua amiga?”
“Não, Kuromi. Você não é!”
Um olhar chocado da Yukiko me deixou ainda mais estressado, por isso, tive a certeza de não mais ficar no mesmo lugar que ela.
E assim, eu saí com a minha papelada em mãos. Eu estaria morando junto com um cara que teve notas parecidas com as minhas. Seu nome é... Deixe-me ver aqui... Hanamura Shouzo. Um nome maneiro.
Eu entro no meu quarto, e me deparo com um cara que parece ser como eu. Um cara que gosta de não fazer nada, que gosta de umas fantasias com alguma gostosa mordendo a fronha. Ele tem o cabelo castanho, um corpo normal, não muito alto, não muito baixo, não muito musculoso, não muito fino. Normal. Como eu.
“Ah! Cara, a vida é má!”
“Sim!!!! Ela é demoníaca!”
“Agora a única coisa que me fazia “viver” a vida está longe de mim!”
“Eu digo o mesmo!”
Lágrimas, suor, abraços. Sem homo afetividade. Coisa de macho!
“Você é... Akashiro Ridou, não é mesmo?”
“Sim... Você é Hanamura Shouzo?”
“Sim! Eu só consegui um ponto a mais que você, porque eu chutei certo em duas na teórica! A gente tá no mesmo barco, Ridou!”
“Shouzooo! Temos que nos recompor, cara!”
“Vamos ficar a noite inteira acordados!”
“Sim! Mas a gente não tem aula amanhã?”
“Não sei.”
“Ah, tanto faz. Não tô bem o suficiente pra dormir, mesmo já estando de noite e tal.”
“Nem eu. Então, me conte, quem é o seu parceiro?”
“Kuromi Yukiko. E o seu?”
“Aihara Misaki. Você brigou com a Kuromi-san?”
“Sim... Meu travesseiro de esperanças foi destruído por um tal de Gerard, um bonitão escroto.”
“É, sei como é... A Misaki está apaixonada e noiva de um nojentinho inglês chamado Reynard Franklin.”
“É, a Yukiko se encontra praticamente no mesmo estado deplorável. É coincidência demais, cara. Pra falar a verdade, eu não sei o sobrenome do escroto.”
“Vamos ver na lista de alunos, é raro alguém com o nome de Gerard.”
Sim, como era esperado, o sobrenome do escroto é Franklin. Em um grito de guerra mútuo, a amizade entre dois homens nasce!
“Eu odeio os Franklin com todo o meu ser!!!!”
No fim das contas, nós passamos a madrugada toda conversando sobre as fantasias com as nossas parceiras e sobre o ódio aos Franklin. Fazer uma amizade com ele foi como fazer uma amizade comigo mesmo. Como conversar comigo mesmo.
Eu me pergunto sobre o que a Yukiko deve estar fazendo agora, com quem ela conversou. Coisas do tipo. Hoje eu me dei por conta de que eu realmente quero proteger ela do que ela não consegue ver. Quero apenas o bem-estar dela, nem que isso me custe tempo livre que eu gastaria fazendo nada. Ela é alguém que eu simplesmente não consigo ignorar. Ela com certeza me despreza e me quer longe dela. E eu entendo isso. Provavelmente, eu não tenho nem metade das qualidades e inteligências daquele bonitão escroto. Mas, eu já decidi me tornar em um cavaleiro negro por ela, assim como o Shouzo decidiu fazer o mesmo pela Misaki-san. Esse é o nosso dever. Ela salvou a minha vida e eu devo retribuir. Simples assim.
É óbvio que no outro dia, eu e o Shouzo estávamos sonolentos, mal arrumados e comendo o café da manhã no caminho para a sala de aula. Era uma manhã bonita, ensolarada, céu azul e tudo mais. Apesar do cansaço, eu e o Shouzo estávamos dispostos à melhorar por nossas parceiras. Era o menos que o mínimo que eu podia fazer por ela ter salvado minha vida.
Nós dois estávamos correndo alegremente desanimados. Sabe como é, eu quero mas meu corpo não quer. Logo, paramos de correr e ficamos só andando. Estava tudo feliz, até que nós dois vemos o inferno e o céu se juntarem: Yukiko e Misaki estavam juntas. Sim, o Shouzo me mostrou uma foto da Misaki ontem e eu fiz o mesmo, mostrado uma foto da Yukiko. Sorrindo. Aparentemente felizes. Eu e o Shouzo ficamos encantados e horrorizados com a cena. Elas olham para nós, que subconscientemente olhamos um para o outro e começamos a rir, momentaneamente. Porém, voltamos à ficar sérios e olhamos para elas. Um olhar triste me foi lançado por Yukiko. Mesma coisa com o Shouzo. Como dois verdadeiros idiotas que somos, nós fechamos nossos olhos e fazemos uma expressão severa, como quem diz “Você acha que isso é suficiente?”.
Sim, eu me arrependo severamente de ter feito isso. Tanto trabalho me seria poupado se eu tivesse tido a coragem de encarar ela ali...
Após isso, elas olham para baixo e seguem seus rumos, assim como nós.
“Ah, cara, a gente é trouxa ou o quê?”
“A gente é covarde, Shouzo.”
“Eu não tenho coragem de negar isso.”
“Muito menos eu.”
“Mas, de qualquer forma, nós estamos atrasados. Temos que aprender o máximo possível, não é mesmo?”
“Exatamente.”
Poucos instantes após o fim de nossa breve conversa, chegamos até a sala que nos foi indicada na papelada que nos foi entregue ontem. Como era de se esperar, tinha pouca gente. Isso quer dizer que tem pouca gente tão burra como nós. Pra falar a verdade, só tinha mais um cara ali. E ele não emitia a mesma aura de desleixo que eu e o Shouzo emitíamos. Parecia que ele era realmente superior, mas não como os dois escrotos Franklin. Era superioridade maciça e pura. Parecia que ele nem tentava.
Com o rabo entre as pernas, eu e o Shouzo nos sentamos na clássica distância média, sem chamar atenção. Alguns minutos depois, um professor com uma aura de desleixo ainda maior que a nossa apareceu. Quero dizer, se eu era “O Rei dos Vagabundos”, esse cara provavelmente era “O Deus dos Vagabundos.”. Ele estava em um estado ainda mais deplorável que eu e o Shouzo. Ele esqueceu de abotoar a sua camisa e de fechar o zíper da calça. Isso é algo muito bizarro e assustador pra ser acompanhado dia após dia.
“Ah, bom dia~”
“Bom dia...”
“Então, meu nome é... Eu acho que é... Hanamura Shouzo.”
“Ei! Não vá roubando o nome dos outros!!”
“Ah, eu achei que era um nome tão legal...”
“E daí?!?! Meu nome é meu, velhote!”
“Tá, tá, meu nome é Houdo Gentarou, eu sou seu professor até o fim da sua vida acadêmica porque você fracassados nunca irão sair daqui~ Ou é isso que vocês achavam que iam ouvir? Sim, eu vou ser o professor de você até sua vida acadêmica acabar, mas isso é porque vocês são uma turma... Especial.”
“Especial como, velhote Gentarou?”
“Akashiro Ridou-kun, é? Vocês são especialmente burros. De verdade.”
“Disso eu sei.”
“Vocês são especialmente burros, por isso, eu vou ensinar tudo que eu sei. Sim, vou vomitar o conteúdo na cabeça de vocês, quem digeriu, digeriu. Não vai ter segunda vez. Até porque eu quero voltar a dormir em paz e poder ver meu pornô na hora que eu quiser.”
Que tipo de professor é esse, cara? Ele chega a ser mais desmotivado e nojento que eu e o Shouzo juntos!
“Ok, vamos começar a aula. Calem a boca agora.”
“Tá certo, velhote Gentarou.”
“Então, o que vocês precisam agora é de teoria. Em meio ano, vocês vão se tornar peritos em teoria. Enquanto os outros vão ter aula por apenas um período, vocês vão ter aula por três. Seus parceiros não poderão resolver paradoxos por meio ano. Em suma, vocês se ferraram muito. E quando eu digo muito, eu quero dizer “vocês vão se separar hahaha~”
“Isso é inaceitável, sensei.”
“Tokuro Kyousuke-kun, os incomodados que se retirem~”
“...”
A voz desse cara não é tão imponente quanto eu pensava… Pra falar a verdade, todo o meu medo dele já se esvaiu.
“Primeiro vocês tem que entender os 12 paradoxos temporais fundamentais. Leiam o livro “Natureza dos Paradoxos Temporais”.”
“Velhote, pra falar a verdade, eu não sei nem o que é um paradoxo.”
“Ah, um paradoxo é uma contradição no tempo-espaço. Algo que não tem como acontecer e, em realidade, aconteceu.”
“Tipo o que?”
“Imagine que um Juiz volta no tempo e mata seu próprio avô antes do mesmo ter um filho. Isso quer dizer, em teoria, que seu pai não nasce mas sua vó tem um neto. Como? Teoria da Conservação das Massas e Energia. Você já está lá, não tem como sumir do nada, no caso.”
“Ah, isso é muito confuso.”
“Nem tanto, Shouzo-chan~”
“Velhote Gentarou, se tiver dois paradoxos ocorrendo no mesmo instante, que que acontece?”
“Podem me chamar de Gen-chan. É pra isso que existe a Lei dos Paradoxos Menores. O paradoxo menos paradoxal vai imperar sobre seus afetados, deixando o outro paradoxo de lado. Por exemplo, você volta no tempo, mata seu avô, faz coisinha com a sua avó. Qual paradoxo vai acontecer primeiro?”
“O da avó?”
“Exatamente. O Paradoxo dos Loops Sexuais é menos grave que o Paradoxo do Avô, porque a mudança que eles fazem na linha do tempo é incomparável. Imagine se alguém matasse os pais do Imperador César de Roma? Grande parte da civilização estaria em um estado deplorável. Se alguém fosse e marcasse território na mãe do cara, não seria tão grave assim.”
“De alguma forma eu entendo isso.”
“Você não é tão burro assim, Ridou-chan. Só te falta vontade de aprender.”
“Eu posso ser um futuro Juiz do Tempo, mas eu sou um vagabundo em primeira instância, Gen-chan.”
“Eu compartilho do seu ponto de vista.”
“Mas, então, velhote, e se alguém voltar no tempo e mudar a história?”
“Isso é raro, porque geralmente os grandes feitos do passado foram feitos com a ajuda de alguém do futuro. Raramente se torna em um paradoxo, porque basicamente, a história foi escrita assim. Estava escrito que alguém do futuro viajaria até a França na revolução e ajudaria os Burgueses. Agora, se você se torna um protagonista no passado, aí sim é um paradoxo. Paradoxo da História Retroativa.”
“Como alguém se torna um protagonista no passado?”
“Fazendo mais do que deveria no passado. Por exemplo: alguém do futuro se envolve em uma revolução qualquer. Ao invés de dar o trono pra alguém da época, esse ser débil mental se torna um rei no passado. Logo, ele foi contra a maré do destino e isso causa um paradoxo.”
“Ah, acho que eu entendi...”
“Gen-chan, qual é o paradoxo mais grave?”
“Hmmm, eu diria que é o Paradoxo Final.”
“Como que ele é?”
“É o paradoxo mais simples. Um viajante do tempo altera a história de modo que a viagem no tempo não seja idealizada e concretizada. Isso modifica toda a história do universo, porque todos os acontecimentos de envolveram pessoas de outras eras e linhas do tempo são apagados. Basicamente, isso destruiria todo o destino que o mundo segue.”
“Isso já aconteceu alguma vez, velhote?”
“Não é óbvio que não, Shouzo-chan?”
“Ah, verdade.”
“Gen-chan, tem como as linhas do tempo de diferentes Juízes serem opostas uma a outra?”
“Como assim?”
“Tipo, o meu passado é o seu futuro?”
“O nome disso é Paradoxo da Descontinuidade. Não é tão grave assim.”
“Velhote, existem outros tipos de paradoxo além do temporal?”
“Sim, existem os paradoxos espaciais, como o Paradoxo da Dicotomia. Isso é avançado demais pra vocês.”
“Eu nem me preocupo em saber demais.”
“Se eu sei demais ou sei pouco eu vou me prejudicar. Esse é o pensamento, não é mesmo?”
“Sim.”
“É, muitas vezes, a vida se resume a isso.”
“Gen-chan, vamos criar o Clube da Vagabundagem depois desse semestre!”
“Eh, você não tem nada melhor pra fazer não, Ridou-chan?”
“Como o que?”
“Flertar com a Kuromi-chan, apalpar ela por todo o corpo... Sabe como é, atos lascivos e tal...”
“Provavelmente ela inverteria a ordem normal das coisas... Você sabe a sensação de levar chibatas por uma tarde inteira?”
“Melhor do que muita gente, Ridou-chan!”
Sim, as lágrimas de um homem verdadeiro! Em cima de um rochedo, ondas batem em meio a tempestade de masculinidade! Sem homossexualidade! Há algo mais belo que a compreensão e a amizade entre dois machos verdadeiros? É claro que não!
O fato do Gen-chan ser esquecer de abotoar a camisa e esquecer de pentear o cabelo deixou ele com um aspecto nojento de “machão sedutor”. Afinal de contas, o cabelo dele estava todo pra trás, como se ele tivesse sido forçado a ficar assim. De qualquer forma, nosso primeiro dia de aula foi assim.
Eu não consigo ver maldade ou verdadeira malícia nos olhos do Gen-chan. Em compensação, eu não consigo ver nada nos olhos dele além de um gosto por ensinar. Todo vagabundo tem alguma coisa que o faz sair da inércia. A educação é o que o faz se mexer e viver. Isso é algo que ainda falta em mim, mas um dia eu dou um jeito nisso. Agora, meu foco é aprender tudo o que eu puder, ser o melhor que eu puder ser, em prol da Yukiko, a pessoa que teve compaixão comigo em um ponto onde eu poderia apenas morrer.
Eu me sinto realmente sortudo por ter um bom professor como ele. A maioria dos professores, atualmente, só ensinam por causa do dinheiro e do mérito que se ganha sendo um professor. O que difere um professor de o professor é a vontade e o gosto de ensinar. No fim, a diferença de tudo é a vontade de um indivíduo.
Parte III
As aulas do dia acabaram e o sol já havia deixado de iluminar o céu. A noite tomava conta do campus estudantil do Elo. Um sentimento tenebroso e pesado enchia o meu coração e o do Shouzo. Um pouco antes de sairmos da sala, Gen-chan, nosso professor, conselheiro e ídolo nos falou para comunicar às nossas parceiras que não poderíamos sair em trabalhos durante seis longos meses.
Quando chegamos em nosso quarto, no dormitório masculino, tomamos banho um após o outro e jantamos uns sanduíches que compramos no caminho de volta. Shouzo e eu estávamos bem preocupados sobre o que fazer em relação à Yukiko e Misaki.
“Então, como vamos falar com elas agora?”
“O único jeito é ir até o dormitório feminino. Os dormitórios são abertos à todos até as 22. Que horas são?”
“20:30. Ainda temos uma hora e meia.”
“É melhor falar com elas ou mandar uma carta ou bilhete?”
“Prefiro a segunda opção.”
“Eu também.”
“Vamos escrever a mesma coisa, com palavras diferentes. Se elas são amigas, provavelmente vão contar isso uma à outra, logo, as cartas não podem ser iguais.”
E assim, nós dois começamos a escrever nossas cartas.
Hmmm... Vamos revisar essa maldita carta.
[Boa noite ou bom dia, Yukiko.
Escrevo-lhe esta carta com o intuito de pedir-lhe desculpas. Pelo fato de eu ser um parceiro incompetente e não atender às suas expectativas, eu descobri que realmente sou burro. Pelo fato de seu ser burro, eu tenho que me esforçar mais que os outros pra chegar no seu nível e poder te ajudar de alguma forma.
Você sabe, as suas aulas provavelmente são de manhã e aí você tem o resto do dia livre pra viajar pelo tempo-espaço tentando corrigir paradoxos. Mas as minhas não. Pelo fato de eu ser incapacitado, eu terei aulas teóricas com o Gen-chan por todos os três períodos, logo, não poderei viajar pelo tempo com você. Peço-lhe desculpas por isso, você terá que ficar afastada dos seus deveres por meio ano. Prometo que vou te recompensar quando a hora for certa.
Com arrependimentos e preocupações, Ridou.]
É, acho que está bom o suficiente. Ela vai ficar brava por eu não me desculpar por brigar com ela, mas isso já não me importa. Ela pode me odiar, mas eu vou fazê-la feliz. Ela vai ficar a salvo da obscuridade que esse mundo pode apresentar, isso eu garanto. Ou algo do tipo.
Assim que eu e o Shouzo terminamos nossas cartas, rumamos em direção ao dormitório feminino. A noite inspirava medo.
Não sei porque, mas eu não gosto da noite. Nem de noites de verão. Eu acho que a noite muda o ser humano demais, haja vista que há um sentimento de liberdade e libertinagem na noite. Parece que tudo que você fizer de noite vai desaparecer na manhã seguinte. Feliz e infelizmente, isso não acontece. Uma garota estuprada de noite não vai esquecer o que aconteceu. A família de um homem assassinado de noite não vai esquecer o que ocorreu. A noite instiga a violência, a irracionalidade e, muitas vezes, a brutalidade. Os melhores exemplos de noites desumanas são a Noite de São Bartolomeu e a Noite dos Longos Punhais. O preconceito religioso e a traição foram instigados nessas noites diabólicas.
De qualquer forma, eu e Shouzo estávamos temerosos de encontrar com a Yukiko e a Misaki no meio do caminho. Queríamos apenas entregar a carta e sair o mais rápido possível de lá.
“Ridou, eu estou com medo...”
“Eu também, Shouzo. Mas a gente tem que fazer isso.”
“Infelizmente.”
“É, infelizmente.”
Quando chegamos no dormitório feminino, era 21:00. Ainda tínhamos bastante tempo. Olhamos no quadro de informações e descobrimos que, surpreendentemente, a Yukiko e a Misaki estavam morando juntas. Sim, estávamos chocados. É por isso que elas estavam tão amigas.
“Ridou...”
“Sim, é certeza absoluta que elas falaram mal da gente uma para a outra.”
“Ah, como a vida consegue ser tão cruel?”
“Isso é uma dúvida que eu também tenho.”
“Se bem que, se for pensar, elas também devem ter se assustado de nos ter visto juntos.”
“Eu não acho. A Yukiko não liga pra esse tipo de coisa.”
“É, a Misaki também não.”
“Vamos fazer o que temos que fazer e sair daqui rápido.”
“Certo!”
Quarto 205, Aihara e Kuromi. Nós ouvíamos vozes dentro do quarto. Obviamente, entregar a carta por debaixo da porta seria escroto demais até pra gente. Tanto eu quanto o Shouzo sabemos disso. Logo, pusemos nossos ouvidos na porta, com o intuito de saber o momento certo de entregar a carta. E ouvir a conversa delas, obviamente.
“Então, que que a gente vai comer, Yuki-chan?”
“Não sei, Misa-chan.”
“A gente não pode viver de macarrão instantâneo, não é mesmo?”
“É, a gente tem que comer comida de verdade.”
“Mas quem que vai cozinhar pra gente?”
“A comida do Ridou é muito boa... Mas...”
“É. A gente não pode correr atrás deles.”
“Eu realmente não deveria ter falado tudo aquilo pra ele.”
“Nem eu, mas nós duas já somos quase profissionais. Não podemos nos deixar levar por esse tipo de coisa.”
“É verdade. Há coisas mais importantes que isso.”
“E eu aposto que aqueles dois vagabundos devem ficar dormindo na aula. Eu ouvi dizer que eles pegaram o Houdo-sensei como instrutor.”
“Ah, é o pior professor possível pra eles...”
“Sim, é como se a Santa Trindade da Vagabundagem se completasse!”
“Haha, verdade!”
“Sinceramente, eu não sei porque o Shouzo escolheu se tornar Juiz do Tempo. Ele era um bom-pra-nada antes. E continua sendo, de certa forma.”
“Eu também não entendo muito os motivos do Ridou, mas ele disse algo como “eu gosto de variedade no meu dia-a-dia”, eu acho.”
Eu nunca falei isso pra você, Yukiko! Maldita!
“Ele parece ser bem estranho...”
“Ele é. Não que isso mude muita coisa...”
“É, eu digo o mesmo...”
“Orgulho em não fazer nada... Como isso é possível?”
“É um dos mistérios da vida!”
“Que tipo de ser humano se orgulha em perder a vida olhando os outros?”
“O tipo “vagabundo”!”
“Ah, isso é muito complexo pra minha cabeça...”
Eu estou começando a ficar impaciente com isso, e pelo olhar do Shouzo, o mesmo se passa na mente dele. O pensamento de “o quanto vocês conseguem falar da gente como se fôssemos de outro planeta!?” começa a nos irritar cada vez mais...
“Ridou... Sinceramente... Se eu ouvir mais alguma coisa disso, eu vou dar rage quit na vida.”
“Uhehehe, já parou pra pensar que a gente pode simplesmente falar alto aqui, e elas não vão ter coragem de abrir a porta?”
“Você, cara! Você é um gênio! Eu acho...”
“Essa é a vida, não é mesmo!?”
“Nós podemos ser vagabundos, mas nós também temos algo precioso para nós!”
“E o que seria isso, Shouzo!?”
“Nossas parceiras!”
“O bem estar delas, seu trouxa! Pouco nos importa se a gente se suja. Elas tem que ter uma vida feliz! Esse é o meu propósito. E é o seu também, não é mesmo!?”
“É, por isso que a gente não vai deixar elas casarem com os ingleses escrotos dos Franklin, não é mesmo?!”
“Não, por mim tanto faz!”
“Você gosta da Yukiko ou simplesmente odeia o bonitão escroto!?”
“Proporção de 7:3 pro ódio!”
“Você é realmente trevoso, não?!”
“Não, eu sou só um observador na vida!”
“Que que isso tem a ver!?”
“Ah, cale a boca! Vamos entregar essas malditas cartas pra elas logo!”
“Não quero!”
“Então as cartas vão ser entregues por debaixo da porta!”
Tudo isso foi feito com um sorriso no rosto, afinal de contas foi um grande progresso no quesito “coragem” para nós dois. Caso nossa paciência fosse um pouco maior, não teríamos conseguido isso. Eu sou preguiçoso, mas não desmotivado! Ou é isso que eu acho.
Obviamente, não foram só elas que ouviram o que nós falamos. A pessoa que tinha cara de ser a chefe do dormitório saiu do seu quarto e começou a berrar e urrar violentamente, como um urso. Mesmo que ela fosse bonita, ela parecia um Rei Demônio naquela hora em especial.
“Calem a boca pelo amor de Deus! Ninguém se importa! Tem gente querendo dormir e estudar aqui!”
Nisso, todas as outras garotas saíram de seus quartos, excluindo as do quarto 205. Um tumulto começou ali.
“Shouzo, estratégia de retirada A!”
“O.K.!”
A “estratégia de retirada A” consistia na sedução e sexualidade que somente eu e o Shouzo conseguiríamos reproduzir. Em sincronia, puxamos a gola da camiseta, pusemos a outra mão na confabulada articulação do inferno (bacia e fêmur), fechamos um dos olhos, inclinamos o corpo de maneira sensual, e mandamos um beijo quente para as garota.
Se deu algum bom resultado, você pergunta? É óbvio que não.
“Shouzo, estratégia de retirada C!”
“Porque não usamos a B?”
“Porque elas estão em modo berserk!”
“Ah, faz sentido.”
E então, nós dois começamos a correr como se todo o inferno estivesse atrás de nós almejando nossas puras almas. Eu nunca senti minha integridade ser tão ameaçada.
“Ridou, porque a estratégia A não deu certo?! A gente pesquisou no meio da aula, “como seduzir as pessoas”!”
“Talvez porque você aprendeu a seduzir como uma mulher, cara! Que pose foi aquela de “Mostrando as tetas sem querer”? “Mostrando a linguinha”! Você é uma atriz pornô por acaso!?”
“E você? Aquela pose de “agora eu sou um bonitão, contemple!”? Que merda foi aquela?”
E assim, nós caímos na risada enquanto corríamos com o nosso pulmão quase falhando. O sedentarismo tem seus contras, e a falta de resistência pra qualquer exercício físico é um deles.
Essa foi a segunda de muitas noites problemáticas e divertidas no Elo. Quando chegamos no nosso quarto, no nosso dormitório, finalmente pudemos relaxar. Uma disputa pra tomar água tomou conta do quarto.
No fim das contas, ele é o único amigo que eu já fiz. Um companheiro valioso, que compartilha da mesma opinião que eu. Eu sei, nós nos conhecemos faz 2 dias. 2 míseros e maravilhosos dias. É pouco tempo, normalmente. Mas, é como se eu já conhecesse ele antes. Como se fosse um amigo de infância.
Nós dois temos o mesmo objetivo. Nós devemos nos tornar dignos de nos chamarmos de “parceiros” daquelas duas garotas. Devotar o corpo e a alma em prol delas é pouco, ao nosso ver. O nosso propósito já há muito foi definido, mas só hoje nós percebemos o que ele é. Está escrito nas linhas do destino e assim será. O nosso propósito de proteger os sorrisos daquelas duas. Mesmo que elas sejam tsundere, sadistas, folgadas e tenham todos os defeitos, é a nossa vontade e dever apoiar elas em tudo, certo ou errado. Bonito ou feio. A qualquer hora, em qualquer circunstância.
Eu realmente não sei o porquê disso tudo estar acontecendo comigo. Mas, um dia eu vou descobrir o motivo de eu ter me tornado um Juiz do Tempo. O motivo por trás da verdade e da mentira. O fato que está escrito nas correntes do destino que nos aprisionam à ilusão de que vivemos e morremos por nada. Eu afirmo: nada nesse mundo é por acaso! E eu vou descobrir tudo que eu puder, como todo bom teórico.
Frases de gente famosa e ditados sempre me deixaram com uma pulga atrás da orelha. Será que eles disseram isso intencionalmente? Ou foi simplesmente algo momentâneo falado em uma situação aleatória que aleatoriamente se encaixa em coisas do dia-a-dia? “Cavalo dado não se olha os dentes.”, vendo bem, deve ter sido um fazendeiro que deu um cavalo podre de velho, sem dentes pro seu filho, que reclamou. Quero dizer, o seu verdadeiro significado pode ser algo tão desapontador quanto isso.
Dito isso, o que seria o verdadeiro significado de uma frase? Algo atribuído pelas gerações ou algo que expressa um único momento? Voltando ao exemplo do fazendeiro, ele provavelmente não queria dizer sobre ingratidão. Só deveria estar de saco cheio do seu filho ser um moleque impertinente. Mas, também tem a possibilidade de ele ter falado isso visando corrigir a ingratidão de seu filho. Não há como saber, porque isso é passado não-existente, não é comprovado que isso existiu. Falando melhor, não é comprovado nem que esse fazendeiro existiu ou que esse ditado popular nasceu na zona rural. É incerto e impreciso demais pra se afirmar algo. E é aí que a teoria entra!
Antes de se criar uma teoria, é preciso de um fato não explicado. Algo como a criação do mundo e seus componentes é um fato não explicado, logo, as teorias do Big Bang e das Cordas foram criadas, com o único propósito de explicar algo que vai além de nós. Teorizar a teoria é algo muito burro a se fazer, mas entender o que é a teoria em si é esperto. Antes de se fazer qualquer coisa, deve-se saber o que está fazendo. Trabalhos mal feitos nunca rendem e nunca renderão frutos. Isso é fato.
Teoria é, irrefutavelmente, conhecimento pura e unicamente racional. Uma teoria não surge do nada, nem é destruída do nada. Existem motivos para que isso ocorra. Motivos obviamente racionais.
Teoria é, aos olhos do senso comum, o ato de observar, contemplar, olhar e especular. Mas, outra coisa além do senso comum não é do meu interesse. O senso comum é suficiente pra que eu viva de forma socialmente pacífica, e isso é o meu único interesse. Ir além do necessário, mesmo me auto proclamando como teórico, é inútil. Não vai trazer resultados na prática. Se a teoria é 2D 1080p e modo fácil, a prática é 3D com gráficos perfeitos, dificuldade extrema. Permadeath e tudo mais.
Sim, a vida é exatamente como um RPG. Você tem que construir um personagem para si mesmo, viver e se comportar de acordo com as regras do servidor e não ser um problema para os outros na sua guilda e equipe.
Em outros termos, você tem que construir uma personalidade de fachada e viver sobre ela até o dia em que seu coração parar de bater. Não que algo assim realmente seja digno de minhas dissertações. No fim de tudo, você vê que ir contra a maré do destino e da vida é algo infantil e sem propósito ou resultado.
O estilo do vagabundo é o estilo da aceitação. Essa é a verdade por trás das cortinas. Ou algo do tipo. Não que eu tenha algo a ver com isso, eu sou um mero espectador das peças que a vida prega nos outros. E, talvez um dia, ela pregue uma peça em mim. Espero que eu tenha perdido a virgindade até lá.
Falando em virgindade, há algo mais “virjão” que dormir e acordar com um macho no mesmo quarto (sem homossexualidade) todos os dias? Quero dizer, os delírios lascivos tomam conta de nossas mentes, haja vista que nossos olhos são praticamente privados de beldades femininas. A vida é má, todo dia, toda hora!
Hoje está sendo um dia belo. Eu e o Shouzo conseguimos acordar na hora certa, logo, sem correria. Um café da manhã pacífico, últimos dias de uniforme de verão, céu azul e limpo e ar fresco! Essa é uma das maravilhas do mundo, creio eu. A vontade de cometer suicídio de aparece no inverno é completamente erradicada com dias como hoje.
Comendo uma fatia de pão com manteiga com uma boa xícara de café preto, Shouzo puxa conversa.
“Que que foi aquilo ontem?”
“Você virando uma atriz pornô ou a gente correndo?”
“Você querendo dar uma de macho alfa... É claro que é sobre tudo aquilo que aconteceu ontem!”
“Ah, sim. Foi cansativo mesmo.”
“Eu achei que a gente ia morrer.”
“Eu também. Vendo agora, nossa ideia foi muito ruim.”
“A gente deveria ter falado aquilo pra elas, não ter feito aquele teatrinho, não é mesmo?”
“Hah, como se a gente tivesse coragem suficiente pra fazer isso.”
“Pois é.”
“Já parou pra pensar em como é irritante alguém gritando enquanto você faz alguma coisa?”
“Não. E você?”
“Tô pensando nisso agora. Deve ser muito chato, cara. Não tem como não prestar atenção em alguém gritando. É um processo cognitivo que você faz subconscientemente. Me lembre de nunca mais berrar num corredor, por favor.”
“Digo-lhe o mesmo, meu caro.”
“Mas você acha que elas realmente entenderam o que a gente queria dizer?”
“Provavelmente. Bem, não adianta chorar leite derramado. Agora já foi.”
“É. Bem, de qualquer forma, é melhor nós dois irmos à biblioteca pegar aquele livro que o Gen-chan nos recomendou... Eu acho que é... “Natureza dos Paradoxos Temporais”. Ou algo assim.”
“Eu não entendo porcaria nenhuma desses paradoxos.”
“Como você se tornou Juiz do Tempo?”
“Eu estava no centro de um paradoxo, aí a Misaki me transformou em um Juiz do Tempo.”
“Que nem eu. A Misaki te beijou também?”
“Ahaha, isso não é coisa que se conte aos outros, Ridou!”
“Você entende que ela não te beijou porque gostava de você, não é mesmo?”
“Ela não gosta de mim?”
“Não, ela não vai atender ás suas fantasias e delírios pervertidos. Nunca.”
A cara dele estava chocada demais pra eu falar mais alguma coisa. É como se ele voltasse a ter 5 anos e se perdesse da mãe no mercado.
“Então... Porque ela me beijou?”
“Você é daqueles que quando vai instalar um programa no computador, nem olha o que está escrito e só vai apertando “próximo”, não é mesmo?”
“Não sei...”
“Seu PC deve ser cheio de antivírus e daqueles programas de emoticons nojentos.”
“Ás vezes aparece “Cresce 15 palmas por semana!’”
“O nível de câncer do seu PC já deve estar em god-tier! Enfim, você provavelmente nem ouviu o que ela estava falando no Multiuniverso.”
“Que que isso tem a ver?”
“Ela te beijou como símbolo de que você será o único parceiro ela até o fim da vida. Isso é algo profissional, não amoroso.”
“Como assim?”
“A flor dos desejos dela, a terra prometida dela não é sua. Compreende, Shouzo?”
“Eu... Morte aos Franklin!”
Tomando o último gole de café, eu levanto meu antebraço, fecho meu punho esquerdo e falo sem motivação junto a ele.
“Morte aos Franklin, Shouzo.”
Assim que terminamos nosso café da manhã, fomos em direção à biblioteca do Elo. No caminho, nós nos deparamos com uma garota de cabelos brancos e olhos verdes recolhendo os livros que ela provavelmente deixou cair no chão. Eu olho para o Shouzo e nós decidimos ir ajuda-la, já que ela parece trabalhar na biblioteca e poderia nos ser útil, de alguma forma (e ela tinha bons peitos e boas pernas).
Eu pego 3 livros do chão e Shouzo pega 2. Sem muito esforço, só o mínimo pra parecer gentil. Ou algo assim.
“Aqui está.”
“Ah, obrigada. É raro ter gente gentil por aqui.”
“Ah, eu não sei...”
Resposta clássica de falsa modéstia, meus caros. Mexer com as mentes das pessoas requer conhecimento! Nesse exato momento, eu me sinto como se fosse um gangster das mentes. Ou algo do tipo.
“Não, vocês são realmente gentis. Há bastante gente passando por aqui e nenhuma delas me ajudou. Muito obrigada. Meu nome é Haru. Amano Haru.”
Eu fiquei olhando pro nada por alguns segundos até que me dei conta de que é agora a hora em que eu deveria me apresentar. Shouzo estava olhando pra máquina de refrigerantes como um cachorro olhando um frango rodando na padaria. Eu nunca pensei que ele chegaria a esse ponto! Shouzooooo recomponha-se!
“Ah, eu sou Akashiro Ridou. Ele é Hanamura Shouzo. Prazer em te conhecer.”
“Digo-lhe o mesmo.”
Eu olho para a pilha de livros que ela carrega e lá está! “Natureza dos Paradoxos Temporais”.
“Amano-san, você ajuda na biblioteca?”
“Sim, eu fico lá das 7 até minha primeira aula.”
“Nossa, você acorda cedo.”
“Eu gosto de acordar cedo! E me chame pelo meu nome, eu provavelmente não sou sua senpai.”
“Você está aqui há quantos anos?”
“Esse é o meu primeiro.”
“Ah, é o nosso primeiro ano também. Enfim, eu e ele precisamos desse livro que está no topo da pilha.”
“Ah, sim. Venham comigo. Vocês precisam de um cadastro.”
Ah, que saco. Odeio me cadastrar nas coisas. Eu acabo descobrindo um lado meu que eu não conhecia e isso é chato. Saber muito de si mesmo é nojento e narcisista. Ser narcisista é o cúmulo da chatice e da mesmice. Quero dizer, é comprovado que 3% das pessoas no mundo são realmente bonitas e 70% das pessoas no mundo se acham bonitas. Provavelmente esses 3% que são realmente bonitos não se acham bonitos, porque isso nem passa pela mente deles. É natural para eles.
Quer saber de outro fato interessante?
É comprovado cientificamente que as pessoas se acham mais bonitas do que realmente são. Rasgando o verbo, todo mundo acha que é mais do que realmente é. Mais bonito, mais feio, mais magro, mais gordo. É disso que nascem coisas como a anorexia e a vigorexia. Por isso, pare de se achar, seu escroto!
Já que estamos falando sobre “se achar mais bonito/feio do que realmente é”, vamos falar das pessoas nojentas que usam de psicologia reversa. Fulaninha ‘x’ posta foto em uma rede social com a seguinte legenda: “Ai como eu sou feia :D”. Se você fala “Sim, você realmente é feia. Tão feia que eu me sinto envergonhado pela humanidade.”, ela vai aceitar isso como verdade? Óbvio que não! Ela vai começar uma discussão usando de “Você não tem moral pra falar de mim!!! #algumamerda” Se “rebaixar” em prol de receber elogios é algo que não escapa da minha lista de imoralidades à nunca se fazer. Pessoas que usam dessa imoralidade merecem morrer. Devem morrer. Câncer. Da. Humanidade.
De qualquer forma, esse é o motivo de eu odiar fazer cadastros.
Enfim, tivemos uma caminhada agradável até a biblioteca gigantesca do Elo. Era um prédio de 8 andares. A Haru-chan nos explicou que existem 8 níveis de qualificação, logo, 1 nível = 1 andar. Pessoas mais bem qualificadas têm acesso à todo tipo de informação. Interessante, no mínimo. E o Shouzo estava realmente desligado.
Assim que chegamos na biblioteca, a Haru-chan foi pro balcão.
“Ah, o cadastro de vocês vai ser feito rapidamente. Lembra que nos exames de admissão, a gente teve que dizer um monte de coisas sobre nós mesmos? Então, isso foi pra um banco de dados que é usado pra qualquer cadastro no Elo.”
Eu estou emocionado! Se tem algo que eu realmente admiro nisso tudo, é a organização do Elo. É como um software sem bugs. É algo lindo de se ver!
Assim que ela terminou de imprimir nossos cadastros, ela nos deu uma carteira.
“O que seria isso, Haru-chan?”
“Todos ganham isso na primeira ida à biblioteca. É como um cartão de identidade, serve pra tudo aqui.”
“Isso é bom, tudo em um.”
“Tem menos perda de tempo.”
“Acho que essa é a coisa mais irônica à se ouvir nesse lugar.”
“Então, Ridou-kun, você está em que classe?”
“É uma classe... Especial.”
“Quem é o professor de vocês?”
“É aquele maldito velhote!”
Shouzo... Eu entendo você. Mas assim você parece uma criança de 5 anos. Volte a ser você mesmo, Shouzo!
“Houdo Gentarou-sensei.”
Ela fez uma cara de “que dó de vocês” agora que me deixou perplexo.
“Ah, eu ouvi uns rumores sobre ele...”
“Ele pode ser meio estranho, mas é um bom professor.”
“Dizem que nenhum aluno aguenta ter aulas com ele por mais de um mês.”
“É, eu suspeito disso. Pessoas normais não conseguiriam entender ele.”
Obviamente, eu não o entendo. Só o considero como um companheiro do mundo da procrastinação e da vagabundagem extrema. É algo como companheiros de armas.
“De qualquer forma, Haru-chan, nós precisamos ir. Aquele velhote não tolera atrasos, apesar de ele sempre se atrasar.”
Shouzo, você acordou pra vida, meu amigo!
“Ah, podem levar esses dois exemplares de “Natureza dos Paradoxos Temporais”. É raro alguém aqui precisar deles...”
“Ah, muito obrigado, Haru-chan!”
E assim, eu e o Shouzo continuamos a ir para a sala de aula.
“Shouzo, você está muito desligado hoje. Eu entendo que ontem foi cansativo, mas não é pra tanto.”
“É que eu tava pensando numa coisa...”
“Pode falar.”
“Será que a Misaki e a Yukiko vão aceitar ficar meio ano sem fazer algum trabalho?”
“Depende.”
“Do quê?”
“Dos motivos que elas têm pra resolver os paradoxos.”
“E como nós podemos descobrir os motivos delas?”
“Perguntando à elas ou algo assim. Mas, eu acho que depois de ontem, elas vão entender a gente. E “entender” não quer dizer que elas vão ficar quietas e esperar por nós como donas de casa. O mundo não funciona assim, eu acho.”
“...”
“Eu acho que o que nós podemos fazer agora é acreditar no Gen-chan e melhorar gradualmente até um ponto onde nós poderemos ajudar elas a atingir os objetivos delas.”
“É verdade.”
“Você sofre de overthinking, assim como eu. Sei como é.”
“Overthinking?”
“Você pensa demais sobre as coisas, e suas reflexões acabam indo em direções completamente aleatórias.”
“Na verdade, não. Eu só estou preocupado com esse assunto em especial, por ele realmente ser algo perigoso não só pra mim, como pra você.”
“Eu vou fazer o que eu puder, o que estiver no meu alcance e se não for bom o suficiente para a Yukiko, que seja, eu reconstruo tudo do zero até ficar bom o suficiente pra ela.”
“Às vezes você tem a mente muito simples, as vezes você tem a mente muito complexa. Esse padrão de alternância é chato e difícil de entender, sabe?”
“Às vezes é bom ter pensamentos simples, às vezes é bom ter pensamentos complexos. É uma questão de saber usar seu cérebro.”
“Viu?”
Nós chegamos na sala de aula, Tokuro Kyousuke-san já estava no seu lugar de sempre, com aquele olhar enfastiado de ontem. Parece que ele nunca vai mudar de expressão, até esses 6 meses acabarem. Eu odeio gente assim, que nem tenta se aproximar dos outros. Eu posso não ser ninguém pra falar isso, mas eu sou um observador, logo, quero ver suas reações em sociedade. Não quero ver você com uma cara de bunda saindo no meio da aula como uma garotinha de sétima série que chora porque falaram que ela não está bonita hoje. Queime no inferno, seu lixo!
Assim que nos sentamos em nossos lugares de costume, Gen-chan entra na sala, com a camisa desabotoada, tomando café da manhã, sapatos desamarrados.
Quero dizer, tem um limite pra esse tipo de coisa! Ser preguiçoso é uma coisa, ser distraído é outra. E ser preguiçoso e distraído ao mesmo tempo pode gerar uma das maiores catástrofes já vistas pela raça humana, Gen-chan! Pare!
De qualquer forma, hoje o olhar de ambos Tokuro e Gen-chan mudaram quando se viram. Era como se eles estivessem brigando. Dava pra sentir a hostilidade e a agressividade grudando nas nossas peles. Eu e Shouzo começamos a ter aquela conversa por olhares e pensamentos.
“Que merda de tensão é essa, Ridou?”
“Esses dois parecem dois cães de caça com uma só presa!”
E assim, a aula começou. Um clima desconfortável sem dúvidas. Mas eu e Shouzo sabíamos que tínhamos que aprender algo ali, independente do clima ou da tensão. Afinal, depois de 6 meses, nunca mais veríamos o Tokuro Kyousuke-san.
“Ah, bom dia pra vocês dois, Ridou-chan, Shouzo-chan.”
Em uma só voz, eu e Shouzo respondemos.
“Bom dia.”
“Fiquei sabendo que vocês dois fizeram a maior zona no dormitório feminino ontem.”
“Ah, sabe como é... A gente foi avisar nossas parceiras em relação ao meio ano de recesso e tal....”
“Ah, é sempre uma situação complicada. Qual foi a reação delas?”
“A gente não sabe. Fizemos isso por cartas...”
“Existe um limite entre a vagabundagem e a covardia, vocês sabem?”
“É uma situação complicada, Gen-chan.”
“Complicada como?”
“A gente brigou com elas no dia das provas de admissão, velhote.”
“É, pelo calibre de notas delas, eu não me surpreenderia se algo assim acontecesse.”
“As notas delas são tão boas assim?”
“Vocês são chimpanzés perto delas.”
“Não, perto dela eu sou uma empregada francesa educada, Gen-chan.”
“Ah, você gosta de ser punido, é, Ridou-chan?”
“Pisando em mim de salto alto e tudo mais. Claro que não, Gen-chan! Você não sabe como é morar na mesma casa que ela!”
“Pode acreditar, eu sei bem como é a situação da empregadinha.”
“Se vocês vão ficar de conversinha fiada, eu vou matar aula.”
“Kyou-chan, se você quiser sair, sinta-se livre! Ninguém te quer aqui~”
O Gen-chan sabe pegar pesado quando precisa, e é assustador, cara.
Obviamente, o Tokuro-san saiu da sala pisando duro e com uma cara de emburrado logo após isso. Ele parece não ter paciência com nada em relação ao Gen-chan. Me pergunto se esses dois já não se conhecem... E qual seria a relação deles?
“Gen-chan, que que acontece com ele?”
“Ele é impaciente e incompetente.”
“Incompetente?”
“É melhor não ir muito à fundo nisso, Ridou-chan.”
“Ah... Tá.”
Eu me pergunto, o que é a incompetência? É a falta de habilidade para algo? Ou é a falta de vontade para algo? Se sim, eu sou um belo incompetente. Quero dizer, falta de habilidade, em teoria, é completamente diferente de falta de vontade. Na prática, é a mesma coisa, porque a prática se resume à uma tenebrosa e pesada palavra: resultados. Se o resultado é o mesmo, a teoria é a mesma. Ninguém se importa se você tinha uma força de vontade imensa mas não tinha habilidade suficiente pra atingir seus objetivos, assim como ninguém se importa se você tinha a habilidade necessária mas não tinha a vontade de atingir um objetivo.
Sim, quando não se tem vontade, não se pode falar como “seu objetivo”, porque na maioria dos casos, o objetivo lhe é imposto, empurrado e forçado. Não é algo de sua livre e espontânea vontade.
Mas, então, em que ponto nós nos tornamos incompetentes? Onde não conseguimos desempenhar uma tarefa direito ou onde nós nos deixamos levar pelas promoções e títulos no trabalho, na escola, na vida? O cérebro humano por si só é algo incrível e imbatível. Em teoria, nós deveríamos fazer tudo com excelência. Em teoria.
Posta em prática, a mente humana não consegue administrar o cérebro. Isso é inexplicável, assim como a linguagem que usamos e as perguntas que envolvem a existência de um Deus. Nós não sabemos e nem nos preocupamos em saber usar nossas cabeças devidamente. Respirando, comendo, e fazendo algo em qualidade média vulgo aceitável está ótimo. Não se vê e não existe a necessidade de ser algo melhor.
Não que eu vá tentar fazer algo do tipo, que fique bem claro.
De qualquer forma, eu pouco me importo com a incompetência dos outros. Que se explodam enquanto vivem suas juventudes alegres.
Gen-chan estava explicando algo importante, pelo tom de voz dele. Creio que é melhor eu prestar atenção na aula dele. Melhor do que ficar olhando pra fora enquanto filosofa sobre coisas inúteis (ou não).
“Então, Shouzo-chan, a melhor parte de todas é a mais underrated de todas. O terreno sagrado!”
“Ah, achei que eram as montanhas do leite divino, velhote.”
“Eles também são bons, mas se for ver na santa trilogia o terreno sagrado é a parte definitiva.”
Do que esses dois estão falando, cara? Se for o que eu estou pensando... Quero dizer, não é cedo demais pra isso? São nove e meia da manhã, cara.
“Me diga, Shouzo-chan, você já concretizou os três sonhos da virgindade?”
“Não. Nenhum dos três.”
“Sabe, quando você cutuca as tetas de uma mulher, tenha cuidado. Ou você foge ou você encapa o boneco, viu?”
“Porque eu fugiria?”
“Você sabe, existe um outro jeito além de elas deixarem: force o seu caminho na estrada das tetas!”
Cara, que merda é essa?! Isso virou aula de educação sexual?! E mais: você está incitando seu próprio aluno à cometer abuso sexual!
“E você, Ridou, já concretizou um dos três?”
“Eu não.”
Pra falar a verdade, eu roubei duas calcinhas da Yukiko, mas isso não conta como concretizar o sonho.
“Sua cara me diz outra coisa, Ridou-chan! De homem pra homem...”
“Sim...”
“Me conte a verdade. O sonho não se resume à trilogia sagrada. Me diga suas safadezas, rapaz!”
“Eu roubei duas calcinhas da Yukiko.”
“V-Você... Roubou não só uma, mas DUAS calcinhas dela?! Que nojento...”
“Shouzo, você não é ninguém pra me falar isso!”
“Você já “usou” essas calcinhas?”
“Claro que não! E eu devolvi uma das duas, pra sua informação.”
“E a outra?”
“...”
“Ridou-chan, bom trabalho!”
“Gen-chan...!”
“Me pague 5.000 ienes por semana e eu fico quieto sobre isso.”
“Ok.”
Eu realmente não deveria ter contado isso à eles. Logo após essa conversa inacreditável e revelações indecentes da minha parte, a aula começou de verdade.
“Então, Ridou-chan, Shouzo-chan, o assunto da aula de hoje é Mecânicas do Tempo I. Algum de vocês dois tem algum palpite sobre esse assunto?”
“Gasta-se menos energia viajando para o futuro do que viajando para o passado?”
“Por que?”
“Porque o fluxo do tempo é progressivo, não regressivo?”
“Sim, exatamente?”
“Por que estamos falando no interrogativo?”
“Porque você não tem certeza do que fala, Ridou-chan?”
“Ah, perdão.”
“Algo mais?”
“O tempo não existe de verdade?”
“Como assim?”
“Ele é só uma sequência de fatos, então “viagem no tempo” é a mesma coisa que viagem nos fatos.”
“Não está errado, meu jovem pupilo.”
“Mas também não está certo?”
“Falta só uma informação.”
“Qual?”
“Possibilidades de mudança nos fatos. E, de acordo com a sua teoria de fatos, não seria possível viajar para o futuro.”
“Então qual é a teoria mais correta?”
“O tempo é algo que realmente existe.”
“Então como que a minha teoria não está errada?”
“Os fatos são uma ramificação do tempo, de certa forma.”
“Ah, compreendo. O Multiuniverso é uma explicação para a existência do tempo.”
“Não só o Multiuniverso, mas o Vórtice Paradoxal comprova isso.”
“Como assim?”
“O Multiuniverso é um meio de viajar no tempo e nas dimensões. Mas ele é impreciso e arcaico. O Vórtice Paradoxal é um meio mais rápido e preciso de se viajar no tempo.”
“Vórtice Paradoxal?”
“Viagem no tempo é algo que não deveria existir, não é mesmo?”
“Faz sentido. O meio de fazer a viagem no tempo é o paradoxo por si só.”
“Exatamente, Ridou-chan. Shouzo-chan você está entendendo?”
“De alguma forma, sim, velhote.”
“Eu sempre achei que o tempo era uma ilusão da mente humana, Gen-chan.”
“Inicialmente, ele era. Até que a crença e a necessidade de realmente existir o “tempo” fez com que ele de fato existisse. A era cujo nome é “Milênio Perdido” viveu sem uma verdadeira crença no tempo. Não se sabe muito sobre isso, porque, como diz o nome, é uma era perdida.”
“Interessante... Realmente interessante.”
“Ah, saiba que é proibido tentar viajar pra essa época ou até mesmo estudar sobre ela.”
“Por que?”
“Por que, é? Não sei, não quero saber.”
“Ah, é aquele tipo de coisa, é?”
“É, do tipo “se eu me meter mais nisso, vai ser um saco’”
“É, disso eu entendo.”
“Você é Ph.D em Metodologia da Vagabagundagem, Shouzo.”
“Nunca pensei que veria você falando isso pra outra pessoa. Sério.”
“Pra falar a verdade, acho que nem eu esperava falar isso pra alguém. Na minha vida inteira.”
“Isso pode causar um paradoxo, Ridou-chan...”
“Gen-chan... Até você...”
“A vida, Ridou-chan... Ela é um mar de espinhos cobrindo um mar de rosas. Você vê o paraíso, mas ele não pode ser tocado... E quanto mais perto você chega do paraíso, mais você se machuca...”
Esse clima de companheirismo entre homens, que só o Gen-chan sabe criar, sempre é um prólogo de algo extremamente escroto ou ruim. Da última vez que eu me senti assim, eu contei que roubei duas calcinhas da Yukiko (vulgo, agora há pouco). Não gosto desse sentimento, mas...
Essa é a vida.
Não há como negar: a coisa mais bela que existe é o companheirismo e a confiança entre homens. Aqueles que traem isso são piores que o lixo. São a escória entre a escória da sociedade. Aqueles que usam do companheirismo ao seu favor, em uma rota de mão única, devem ser punidos e devem queimar nas chamas do inferno. Por que? Porque sim.
Surpreendentemente, naquele dia, a aula continuou de uma maneira que eu não esperava continuar. Ela parecia uma aula normal. Ah, correção: uma aula normal nos padrões do Gen-chan.
Aprendemos um pouco mais sobre as mecânicas do tempo e sobre alguns tipos de paradoxo especialmente raros.
Logo após sairmos da sala, eu e Shouzo avistamos aquele lixinho impaciente do Tokuro andando com uma garota. Eles pareciam estar tendo aquelas discussões onde o cara é um escroto e a garota quer ajudar o cara o máximo possível. Clássico de comédias românticas.
Obviamente, eu e Shouzo decidimos seguir os dois. Discretamente, como todo bom ladrão de fantasia medieval.
Me pergunto se fazer esse tipo de coisa de coisa realmente é correto... Quero dizer, vigiar a vida pessoal de alguém é algo muito sujo e podre. Coisa de gente que não tem o que fazer e não consegue ficar quieto. Mas, mesmo que eu não goste de fazer as coisas, não quer dizer que eu não me interesse pelas mesmas. Ser vagabundo de corpo e ser vagabundo de mente são coisas extremamente divergentes. Nos dias de hoje, os vagabundos de corpo mandam nos de mente. Um grande exemplo disso são as guerras que eclodem por todo o mundo. Quem luta e faz a guerra de verdade são os vagabundos de mente, enquanto os vagabundos de corpo mandam em tudo e não sujam suas mãos nem um pouco. Não diretamente.
De qualquer forma, eu percebi que tinha duas pessoas nos seguindo. Eu finjo que estou limpando meu ombro e olho rapidamente para trás. Vejo uma silhueta muito parecida com a da Yukiko e da Misaki. Falando a verdade, não há sombra de dúvida. Eu reconheceria aquela cintura em qualquer lugar, qualquer circunstância. Sério.
De qualquer forma, todos nós (perseguidos, perseguidores e perseguidores de perseguidores) entramos numa lanchonete. Eu e Shouzo decidimos por nos sentarmos à uma distância média dos dois, como sempre, e no ponto cego do Tokuro. A Yukiko e a Misaki se sentaram no banco atrás de eu e o Shouzo.
Quero dizer, vocês duas pelo menos estão tentando fazer isso direito?
Então, nós começamos a ouvir a conversa dos dois.
“Só me deixe em paz, Liz.”
“Kyou-kun... Você sabe que eu te esperarei.”
“Você não precisa me esperar. Falando a verdade, você já deveria ter trocado de parceiro. O pacto que fizemos não era permanente e eu te causei problemas demais.”
“Eu não ligo, Kyou-kun!”
“Pare de mentir, Liz.”
Dito isso, ele saiu da lanchonete.
“Ridou, você acha que nós devemos fazer alguma coisa?”
“Isso vai contra o nosso código de honra, Shouzo.”
“Mas...”
“Se ele é um lixinho que não consegue se perdoar diante de uma garota implorando pra ele ficar perto dela, o problema não é nosso.”
“É verdade...”
“Você tem que desistir de tentar ser o vagabundo de mente, meu caro. Não vire um bolo de carne ambulante, por favor. Você é um vagabundo de corpo e isso jamais mudará.”
Eu senti uma aura de sadismo atrás de mim. Eu sabia que no dia em que eu me desculpasse pessoalmente com a Yukiko, meu corpo (leia-se orifício anal) não será perdoado.
“É verdade, Ridou. O problema é dele.”
Eu senti uma dor inexplicável nas costelas. Não exatamente nos ossos, mas na carne. Era como se eu estivesse sendo torturado pela inquisição. Esse tipo de dor só pode ser provocado por uma pessoa... Aquela pessoa... A única pessoa que eu achava que não falaria mais comigo (tirando algumas garotas que eu tentei espiar debaixo da saia, no fundamental)... Sim, Kuromi Yukiko!
Eu olho para o lado, e vejo o Shouzo levando um mata leão. O quão brutal isso pode ficar?!
“Ridou, eu não gosto de homens que viram as costas pra quem precisa~”
“O problema é seu, não é mesmo, Yukiko?~”
“É meu e seu, Ridou~”
“Prefiro ir pro inferno, Yukiko~”
“Ajude ela junto comigo ou sofra as consequências~”
“Quais consequências? Eu vou ter indenização, não é mesmo?”
“Eu vou cortar seu saco, Ridou~”
Nesse momento, ela começou a apertar ainda mais forte. Eu desisto.
“Ai! Tá, Yukiko. Deixa que eu e o Shouzo fazemos isso sozinhos. Vocês duas só iriam assustar aquele escroto do Tokuro, não é mesmo, Shou...”
Eu olho pro lado e o Shouzo está nocauteado. Sinceramente, qual é o problema dessas duas?!
“Se você prometer pela sua alma, eu deixo você fazer sozinho.”
“Tá, eu prometo pela minha alma.”
Com isso, eu levanto da minha mesa, pensativo. Por que a Yukiko faria contato comigo? Com qual propósito? Quero dizer, o propósito que ela me apresentou era fraco demais. Inconvincente demais.
“Yukiko... Por favor, não fale mais comigo...”
Um olhar aparentemente triste tomou conta do rosto dela. Mas até eu ser forte o suficiente pra proteger ela e fazê-la feliz, não serei digno de trocar palavras sérias com ela.
“Se é isso que você quer...”
Isso me pegou completamente desprevenido.
“...Até eu ser forte, bom e gentil o suficiente pra ficar do seu lado.”
O sorriso dela, nesse exato momento me deixou um pouco surpreso. Isso vai muito além das definições de tsundere. Ou qualquer tipo de dere. Ela conseguiu criar um novo tipo de definição para personalidade. Maravilhoso.
Falando a verdade... Isso tudo realmente não combina comigo, mas, eu não aguento ver o rosto triste dela. Ela realmente é a única pessoa que eu não consigo dizer “o problema é seu”. O jeito dela lidar com as coisas, o jeito dela ver as coisas me deixa perplexo e extasiado. Eu não consigo ignorá-la. A surpreendente inocência nas palavras e gestos dela em momentos críticos como esse pode ser considerada como motivo disso tudo. E, apesar de tudo, eu sempre deverei a minha vida para ela.
Eu tenho a filosofia de nunca me sentir culpado ou não me odiar. Isso afeta meus pensamentos. Mas, essa garota, Kuromi Yukiko, em um mês de convivência comigo conseguiu a façanha de fazer eu me odiar. Me odiar pelo fato de que me tornei um vagabundo de mente, em relação à ela.
Tendo arrumado toda a minha bagunça emocional e social, eu rumei à mesa da tal Liz.
“É... Olá.”
“... Olá. O que você quer?”
“É... Eu ouvi a conversa que você teve com aquele cara que acabou de sair...”
“Ah, aquilo... Não se preocupe.”
“Eu quero te ajudar, de certa forma. Sei como é não se perdoar por algo que já foi esquecido e perdoado por todos.”
Isso, drama e compreensão sempre são e sempre serão aliados!
“Ah... Ele se chama Tokuro Kyousuke. É meu noivo desde que temos 4 anos de idade, por interesse dos nossos pais, mas eu acabei me apaixonando por ele... Ano passado, ele cometeu um erro que acabou criando um paradoxo não muito fácil de se reverter... E por isso foi pra classe do Houdo Gentarou-sensei”
Ah, entendo. Esse escroto é do tipo de faz a merda e corre da responsabilidade. Além do mais, porque todas as garotas bonitas dessa escola já têm noivo?
“E acabou parando na classe do Gen-chan.”
“Gen-chan?”
“Eu tenho aulas com o Tokuro-san. Ainda estamos no segundo dia, mas ele não ficou nem um período inteiro em sala. E tem uma relação de raiva com o Gen-chan, nosso professor.”
“Ah... Entendo. Meu nome é Elizabeth de la Riverie. Prazer em lhe conhecer....”
“Akashiro Ridou. Você é estrangeira, é?”
“Minha família é metade francesa e metade inglesa, mas eu nasci aqui.”
“Ah, compreendo. De qualquer forma, eu vou tentar te ajudar.”
Até porque, minha cabeça rolará se eu não o fizer.
“É errado aceitar a ajuda de um estranho...”
“Não se preocupe. Só quero um ambiente melhor na sala de aula. Não é bem como se eu estivesse fazendo isso por você.”
“De qualquer forma, se algum dia você precisar de alguma ajuda com alguma coisa, eu estou à seu dispor.”
“Ah, não é preciso, Elizabeth-san. De qualquer forma, é melhor eu ir pro dormitório.”
E assim, meu dia e o do Shouzo acaba. Quando eu voltei pra nossa mesa, as duas sadistas já tinham ido embora e eu tive que carregar o Shouzo por todo o caminho. Sem homossexualidade, é claro.
Ter que ajudar aquele escroto vai ser chato, mas, fazer o que, não é mesmo?
A vida é assim, e às vezes, tudo vale a pena. Depende da perspectiva.
Capítulo II – Teoria
Frases de gente famosa e ditados sempre me deixaram com uma pulga atrás da orelha. Será que eles disseram isso intencionalmente? Ou foi simplesmente algo momentâneo falado em uma situação aleatória que aleatoriamente se encaixa em coisas do dia-a-dia? “Cavalo dado não se olha os dentes.”, vendo bem, deve ter sido um fazendeiro que deu um cavalo podre de velho, sem dentes pro seu filho, que reclamou. Quero dizer, o seu verdadeiro significado pode ser algo tão desapontador quanto isso.
Dito isso, o que seria o verdadeiro significado de uma frase? Algo atribuído pelas gerações ou algo que expressa um único momento? Voltando ao exemplo do fazendeiro, ele provavelmente não queria dizer sobre ingratidão. Só deveria estar de saco cheio do seu filho ser um moleque impertinente. Mas, também tem a possibilidade de ele ter falado isso visando corrigir a ingratidão de seu filho. Não há como saber, porque isso é passado não-existente, não é comprovado que isso existiu. Falando melhor, não é comprovado nem que esse fazendeiro existiu ou que esse ditado popular nasceu na zona rural. É incerto e impreciso demais pra se afirmar algo. E é aí que a teoria entra!
Antes de se criar uma teoria, é preciso de um fato não explicado. Algo como a criação do mundo e seus componentes é um fato não explicado, logo, as teorias do Big Bang e das Cordas foram criadas, com o único propósito de explicar algo que vai além de nós. Teorizar a teoria é algo muito burro a se fazer, mas entender o que é a teoria em si é esperto. Antes de se fazer qualquer coisa, deve-se saber o que está fazendo. Trabalhos mal feitos nunca rendem e nunca renderão frutos. Isso é fato.
Teoria é, irrefutavelmente, conhecimento pura e unicamente racional. Uma teoria não surge do nada, nem é destruída do nada. Existem motivos para que isso ocorra. Motivos obviamente racionais.
Teoria é, aos olhos do senso comum, o ato de observar, contemplar, olhar e especular. Mas, outra coisa além do senso comum não é do meu interesse. O senso comum é suficiente pra que eu viva de forma socialmente pacífica, e isso é o meu único interesse. Ir além do necessário, mesmo me auto proclamando como teórico, é inútil. Não vai trazer resultados na prática. Se a teoria é 2D 1080p e modo fácil, a prática é 3D com gráficos perfeitos, dificuldade extrema. Permadeath e tudo mais.
Sim, a vida é exatamente como um RPG. Você tem que construir um personagem para si mesmo, viver e se comportar de acordo com as regras do servidor e não ser um problema para os outros na sua guilda e equipe.
Em outros termos, você tem que construir uma personalidade de fachada e viver sobre ela até o dia em que seu coração parar de bater. Não que algo assim realmente seja digno de minhas dissertações. No fim de tudo, você vê que ir contra a maré do destino e da vida é algo infantil e sem propósito ou resultado.
O estilo do vagabundo é o estilo da aceitação. Essa é a verdade por trás das cortinas. Ou algo do tipo. Não que eu tenha algo a ver com isso, eu sou um mero espectador das peças que a vida prega nos outros. E, talvez um dia, ela pregue uma peça em mim. Espero que eu tenha perdido a virgindade até lá.
Falando em virgindade, há algo mais “virjão” que dormir e acordar com um macho no mesmo quarto (sem homossexualidade) todos os dias? Quero dizer, os delírios lascivos tomam conta de nossas mentes, haja vista que nossos olhos são praticamente privados de beldades femininas. A vida é má, todo dia, toda hora!
Hoje está sendo um dia belo. Eu e o Shouzo conseguimos acordar na hora certa, logo, sem correria. Um café da manhã pacífico, últimos dias de uniforme de verão, céu azul e limpo e ar fresco! Essa é uma das maravilhas do mundo, creio eu. A vontade de cometer suicídio de aparece no inverno é completamente erradicada com dias como hoje.
Comendo uma fatia de pão com manteiga com uma boa xícara de café preto, Shouzo puxa conversa.
“Que que foi aquilo ontem?”
“Você virando uma atriz pornô ou a gente correndo?”
“Você querendo dar uma de macho alfa... É claro que é sobre tudo aquilo que aconteceu ontem!”
“Ah, sim. Foi cansativo mesmo.”
“Eu achei que a gente ia morrer.”
“Eu também. Vendo agora, nossa ideia foi muito ruim.”
“A gente deveria ter falado aquilo pra elas, não ter feito aquele teatrinho, não é mesmo?”
“Hah, como se a gente tivesse coragem suficiente pra fazer isso.”
“Pois é.”
“Já parou pra pensar em como é irritante alguém gritando enquanto você faz alguma coisa?”
“Não. E você?”
“Tô pensando nisso agora. Deve ser muito chato, cara. Não tem como não prestar atenção em alguém gritando. É um processo cognitivo que você faz subconscientemente. Me lembre de nunca mais berrar num corredor, por favor.”
“Digo-lhe o mesmo, meu caro.”
“Mas você acha que elas realmente entenderam o que a gente queria dizer?”
“Provavelmente. Bem, não adianta chorar leite derramado. Agora já foi.”
“É. Bem, de qualquer forma, é melhor nós dois irmos à biblioteca pegar aquele livro que o Gen-chan nos recomendou... Eu acho que é... “Natureza dos Paradoxos Temporais”. Ou algo assim.”
“Eu não entendo porcaria nenhuma desses paradoxos.”
“Como você se tornou Juiz do Tempo?”
“Eu estava no centro de um paradoxo, aí a Misaki me transformou em um Juiz do Tempo.”
“Que nem eu. A Misaki te beijou também?”
“Ahaha, isso não é coisa que se conte aos outros, Ridou!”
“Você entende que ela não te beijou porque gostava de você, não é mesmo?”
“Ela não gosta de mim?”
“Não, ela não vai atender ás suas fantasias e delírios pervertidos. Nunca.”
A cara dele estava chocada demais pra eu falar mais alguma coisa. É como se ele voltasse a ter 5 anos e se perdesse da mãe no mercado.
“Então... Porque ela me beijou?”
“Você é daqueles que quando vai instalar um programa no computador, nem olha o que está escrito e só vai apertando “próximo”, não é mesmo?”
“Não sei...”
“Seu PC deve ser cheio de antivírus e daqueles programas de emoticons nojentos.”
“Ás vezes aparece “Cresce 15 palmas por semana!’”
“O nível de câncer do seu PC já deve estar em god-tier! Enfim, você provavelmente nem ouviu o que ela estava falando no Multiuniverso.”
“Que que isso tem a ver?”
“Ela te beijou como símbolo de que você será o único parceiro ela até o fim da vida. Isso é algo profissional, não amoroso.”
“Como assim?”
“A flor dos desejos dela, a terra prometida dela não é sua. Compreende, Shouzo?”
“Eu... Morte aos Franklin!”
Tomando o último gole de café, eu levanto meu antebraço, fecho meu punho esquerdo e falo sem motivação junto a ele.
“Morte aos Franklin, Shouzo.”
Assim que terminamos nosso café da manhã, fomos em direção à biblioteca do Elo. No caminho, nós nos deparamos com uma garota de cabelos brancos e olhos verdes recolhendo os livros que ela provavelmente deixou cair no chão. Eu olho para o Shouzo e nós decidimos ir ajuda-la, já que ela parece trabalhar na biblioteca e poderia nos ser útil, de alguma forma (e ela tinha bons peitos e boas pernas).
Eu pego 3 livros do chão e Shouzo pega 2. Sem muito esforço, só o mínimo pra parecer gentil. Ou algo assim.
“Aqui está.”
“Ah, obrigada. É raro ter gente gentil por aqui.”
“Ah, eu não sei...”
Resposta clássica de falsa modéstia, meus caros. Mexer com as mentes das pessoas requer conhecimento! Nesse exato momento, eu me sinto como se fosse um gangster das mentes. Ou algo do tipo.
“Não, vocês são realmente gentis. Há bastante gente passando por aqui e nenhuma delas me ajudou. Muito obrigada. Meu nome é Haru. Amano Haru.”
Eu fiquei olhando pro nada por alguns segundos até que me dei conta de que é agora a hora em que eu deveria me apresentar. Shouzo estava olhando pra máquina de refrigerantes como um cachorro olhando um frango rodando na padaria. Eu nunca pensei que ele chegaria a esse ponto! Shouzooooo recomponha-se!
“Ah, eu sou Akashiro Ridou. Ele é Hanamura Shouzo. Prazer em te conhecer.”
“Digo-lhe o mesmo.”
Eu olho para a pilha de livros que ela carrega e lá está! “Natureza dos Paradoxos Temporais”.
“Amano-san, você ajuda na biblioteca?”
“Sim, eu fico lá das 7 até minha primeira aula.”
“Nossa, você acorda cedo.”
“Eu gosto de acordar cedo! E me chame pelo meu nome, eu provavelmente não sou sua senpai.”
“Você está aqui há quantos anos?”
“Esse é o meu primeiro.”
“Ah, é o nosso primeiro ano também. Enfim, eu e ele precisamos desse livro que está no topo da pilha.”
“Ah, sim. Venham comigo. Vocês precisam de um cadastro.”
Ah, que saco. Odeio me cadastrar nas coisas. Eu acabo descobrindo um lado meu que eu não conhecia e isso é chato. Saber muito de si mesmo é nojento e narcisista. Ser narcisista é o cúmulo da chatice e da mesmice. Quero dizer, é comprovado que 3% das pessoas no mundo são realmente bonitas e 70% das pessoas no mundo se acham bonitas. Provavelmente esses 3% que são realmente bonitos não se acham bonitos, porque isso nem passa pela mente deles. É natural para eles.
Quer saber de outro fato interessante?
É comprovado cientificamente que as pessoas se acham mais bonitas do que realmente são. Rasgando o verbo, todo mundo acha que é mais do que realmente é. Mais bonito, mais feio, mais magro, mais gordo. É disso que nascem coisas como a anorexia e a vigorexia. Por isso, pare de se achar, seu escroto!
Já que estamos falando sobre “se achar mais bonito/feio do que realmente é”, vamos falar das pessoas nojentas que usam de psicologia reversa. Fulaninha ‘x’ posta foto em uma rede social com a seguinte legenda: “Ai como eu sou feia :D”. Se você fala “Sim, você realmente é feia. Tão feia que eu me sinto envergonhado pela humanidade.”, ela vai aceitar isso como verdade? Óbvio que não! Ela vai começar uma discussão usando de “Você não tem moral pra falar de mim!!! #algumamerda” Se “rebaixar” em prol de receber elogios é algo que não escapa da minha lista de imoralidades à nunca se fazer. Pessoas que usam dessa imoralidade merecem morrer. Devem morrer. Câncer. Da. Humanidade.
De qualquer forma, esse é o motivo de eu odiar fazer cadastros.
Enfim, tivemos uma caminhada agradável até a biblioteca gigantesca do Elo. Era um prédio de 8 andares. A Haru-chan nos explicou que existem 8 níveis de qualificação, logo, 1 nível = 1 andar. Pessoas mais bem qualificadas têm acesso à todo tipo de informação. Interessante, no mínimo. E o Shouzo estava realmente desligado.
Assim que chegamos na biblioteca, a Haru-chan foi pro balcão.
“Ah, o cadastro de vocês vai ser feito rapidamente. Lembra que nos exames de admissão, a gente teve que dizer um monte de coisas sobre nós mesmos? Então, isso foi pra um banco de dados que é usado pra qualquer cadastro no Elo.”
Eu estou emocionado! Se tem algo que eu realmente admiro nisso tudo, é a organização do Elo. É como um software sem bugs. É algo lindo de se ver!
Assim que ela terminou de imprimir nossos cadastros, ela nos deu uma carteira.
“O que seria isso, Haru-chan?”
“Todos ganham isso na primeira ida à biblioteca. É como um cartão de identidade, serve pra tudo aqui.”
“Isso é bom, tudo em um.”
“Tem menos perda de tempo.”
“Acho que essa é a coisa mais irônica à se ouvir nesse lugar.”
“Então, Ridou-kun, você está em que classe?”
“É uma classe... Especial.”
“Quem é o professor de vocês?”
“É aquele maldito velhote!”
Shouzo... Eu entendo você. Mas assim você parece uma criança de 5 anos. Volte a ser você mesmo, Shouzo!
“Houdo Gentarou-sensei.”
Ela fez uma cara de “que dó de vocês” agora que me deixou perplexo.
“Ah, eu ouvi uns rumores sobre ele...”
“Ele pode ser meio estranho, mas é um bom professor.”
“Dizem que nenhum aluno aguenta ter aulas com ele por mais de um mês.”
“É, eu suspeito disso. Pessoas normais não conseguiriam entender ele.”
Obviamente, eu não o entendo. Só o considero como um companheiro do mundo da procrastinação e da vagabundagem extrema. É algo como companheiros de armas.
“De qualquer forma, Haru-chan, nós precisamos ir. Aquele velhote não tolera atrasos, apesar de ele sempre se atrasar.”
Shouzo, você acordou pra vida, meu amigo!
“Ah, podem levar esses dois exemplares de “Natureza dos Paradoxos Temporais”. É raro alguém aqui precisar deles...”
“Ah, muito obrigado, Haru-chan!”
E assim, eu e o Shouzo continuamos a ir para a sala de aula.
“Shouzo, você está muito desligado hoje. Eu entendo que ontem foi cansativo, mas não é pra tanto.”
“É que eu tava pensando numa coisa...”
“Pode falar.”
“Será que a Misaki e a Yukiko vão aceitar ficar meio ano sem fazer algum trabalho?”
“Depende.”
“Do quê?”
“Dos motivos que elas têm pra resolver os paradoxos.”
“E como nós podemos descobrir os motivos delas?”
“Perguntando à elas ou algo assim. Mas, eu acho que depois de ontem, elas vão entender a gente. E “entender” não quer dizer que elas vão ficar quietas e esperar por nós como donas de casa. O mundo não funciona assim, eu acho.”
“...”
“Eu acho que o que nós podemos fazer agora é acreditar no Gen-chan e melhorar gradualmente até um ponto onde nós poderemos ajudar elas a atingir os objetivos delas.”
“É verdade.”
“Você sofre de overthinking, assim como eu. Sei como é.”
“Overthinking?”
“Você pensa demais sobre as coisas, e suas reflexões acabam indo em direções completamente aleatórias.”
“Na verdade, não. Eu só estou preocupado com esse assunto em especial, por ele realmente ser algo perigoso não só pra mim, como pra você.”
“Eu vou fazer o que eu puder, o que estiver no meu alcance e se não for bom o suficiente para a Yukiko, que seja, eu reconstruo tudo do zero até ficar bom o suficiente pra ela.”
“Às vezes você tem a mente muito simples, as vezes você tem a mente muito complexa. Esse padrão de alternância é chato e difícil de entender, sabe?”
“Às vezes é bom ter pensamentos simples, às vezes é bom ter pensamentos complexos. É uma questão de saber usar seu cérebro.”
“Viu?”
Nós chegamos na sala de aula, Tokuro Kyousuke-san já estava no seu lugar de sempre, com aquele olhar enfastiado de ontem. Parece que ele nunca vai mudar de expressão, até esses 6 meses acabarem. Eu odeio gente assim, que nem tenta se aproximar dos outros. Eu posso não ser ninguém pra falar isso, mas eu sou um observador, logo, quero ver suas reações em sociedade. Não quero ver você com uma cara de bunda saindo no meio da aula como uma garotinha de sétima série que chora porque falaram que ela não está bonita hoje. Queime no inferno, seu lixo!
Assim que nos sentamos em nossos lugares de costume, Gen-chan entra na sala, com a camisa desabotoada, tomando café da manhã, sapatos desamarrados.
Quero dizer, tem um limite pra esse tipo de coisa! Ser preguiçoso é uma coisa, ser distraído é outra. E ser preguiçoso e distraído ao mesmo tempo pode gerar uma das maiores catástrofes já vistas pela raça humana, Gen-chan! Pare!
De qualquer forma, hoje o olhar de ambos Tokuro e Gen-chan mudaram quando se viram. Era como se eles estivessem brigando. Dava pra sentir a hostilidade e a agressividade grudando nas nossas peles. Eu e Shouzo começamos a ter aquela conversa por olhares e pensamentos.
“Que merda de tensão é essa, Ridou?”
“Esses dois parecem dois cães de caça com uma só presa!”
E assim, a aula começou. Um clima desconfortável sem dúvidas. Mas eu e Shouzo sabíamos que tínhamos que aprender algo ali, independente do clima ou da tensão. Afinal, depois de 6 meses, nunca mais veríamos o Tokuro Kyousuke-san.
“Ah, bom dia pra vocês dois, Ridou-chan, Shouzo-chan.”
Em uma só voz, eu e Shouzo respondemos.
“Bom dia.”
“Fiquei sabendo que vocês dois fizeram a maior zona no dormitório feminino ontem.”
“Ah, sabe como é... A gente foi avisar nossas parceiras em relação ao meio ano de recesso e tal....”
“Ah, é sempre uma situação complicada. Qual foi a reação delas?”
“A gente não sabe. Fizemos isso por cartas...”
“Existe um limite entre a vagabundagem e a covardia, vocês sabem?”
“É uma situação complicada, Gen-chan.”
“Complicada como?”
“A gente brigou com elas no dia das provas de admissão, velhote.”
“É, pelo calibre de notas delas, eu não me surpreenderia se algo assim acontecesse.”
“As notas delas são tão boas assim?”
“Vocês são chimpanzés perto delas.”
“Não, perto dela eu sou uma empregada francesa educada, Gen-chan.”
“Ah, você gosta de ser punido, é, Ridou-chan?”
“Pisando em mim de salto alto e tudo mais. Claro que não, Gen-chan! Você não sabe como é morar na mesma casa que ela!”
“Pode acreditar, eu sei bem como é a situação da empregadinha.”
“Se vocês vão ficar de conversinha fiada, eu vou matar aula.”
“Kyou-chan, se você quiser sair, sinta-se livre! Ninguém te quer aqui~”
O Gen-chan sabe pegar pesado quando precisa, e é assustador, cara.
Obviamente, o Tokuro-san saiu da sala pisando duro e com uma cara de emburrado logo após isso. Ele parece não ter paciência com nada em relação ao Gen-chan. Me pergunto se esses dois já não se conhecem... E qual seria a relação deles?
“Gen-chan, que que acontece com ele?”
“Ele é impaciente e incompetente.”
“Incompetente?”
“É melhor não ir muito à fundo nisso, Ridou-chan.”
“Ah... Tá.”
Eu me pergunto, o que é a incompetência? É a falta de habilidade para algo? Ou é a falta de vontade para algo? Se sim, eu sou um belo incompetente. Quero dizer, falta de habilidade, em teoria, é completamente diferente de falta de vontade. Na prática, é a mesma coisa, porque a prática se resume à uma tenebrosa e pesada palavra: resultados. Se o resultado é o mesmo, a teoria é a mesma. Ninguém se importa se você tinha uma força de vontade imensa mas não tinha habilidade suficiente pra atingir seus objetivos, assim como ninguém se importa se você tinha a habilidade necessária mas não tinha a vontade de atingir um objetivo.
Sim, quando não se tem vontade, não se pode falar como “seu objetivo”, porque na maioria dos casos, o objetivo lhe é imposto, empurrado e forçado. Não é algo de sua livre e espontânea vontade.
Mas, então, em que ponto nós nos tornamos incompetentes? Onde não conseguimos desempenhar uma tarefa direito ou onde nós nos deixamos levar pelas promoções e títulos no trabalho, na escola, na vida? O cérebro humano por si só é algo incrível e imbatível. Em teoria, nós deveríamos fazer tudo com excelência. Em teoria.
Posta em prática, a mente humana não consegue administrar o cérebro. Isso é inexplicável, assim como a linguagem que usamos e as perguntas que envolvem a existência de um Deus. Nós não sabemos e nem nos preocupamos em saber usar nossas cabeças devidamente. Respirando, comendo, e fazendo algo em qualidade média vulgo aceitável está ótimo. Não se vê e não existe a necessidade de ser algo melhor.
Não que eu vá tentar fazer algo do tipo, que fique bem claro.
De qualquer forma, eu pouco me importo com a incompetência dos outros. Que se explodam enquanto vivem suas juventudes alegres.
Gen-chan estava explicando algo importante, pelo tom de voz dele. Creio que é melhor eu prestar atenção na aula dele. Melhor do que ficar olhando pra fora enquanto filosofa sobre coisas inúteis (ou não).
“Então, Shouzo-chan, a melhor parte de todas é a mais underrated de todas. O terreno sagrado!”
“Ah, achei que eram as montanhas do leite divino, velhote.”
“Eles também são bons, mas se for ver na santa trilogia o terreno sagrado é a parte definitiva.”
Do que esses dois estão falando, cara? Se for o que eu estou pensando... Quero dizer, não é cedo demais pra isso? São nove e meia da manhã, cara.
“Me diga, Shouzo-chan, você já concretizou os três sonhos da virgindade?”
“Não. Nenhum dos três.”
“Sabe, quando você cutuca as tetas de uma mulher, tenha cuidado. Ou você foge ou você encapa o boneco, viu?”
“Porque eu fugiria?”
“Você sabe, existe um outro jeito além de elas deixarem: force o seu caminho na estrada das tetas!”
Cara, que merda é essa?! Isso virou aula de educação sexual?! E mais: você está incitando seu próprio aluno à cometer abuso sexual!
“E você, Ridou, já concretizou um dos três?”
“Eu não.”
Pra falar a verdade, eu roubei duas calcinhas da Yukiko, mas isso não conta como concretizar o sonho.
“Sua cara me diz outra coisa, Ridou-chan! De homem pra homem...”
“Sim...”
“Me conte a verdade. O sonho não se resume à trilogia sagrada. Me diga suas safadezas, rapaz!”
“Eu roubei duas calcinhas da Yukiko.”
“V-Você... Roubou não só uma, mas DUAS calcinhas dela?! Que nojento...”
“Shouzo, você não é ninguém pra me falar isso!”
“Você já “usou” essas calcinhas?”
“Claro que não! E eu devolvi uma das duas, pra sua informação.”
“E a outra?”
“...”
“Ridou-chan, bom trabalho!”
“Gen-chan...!”
“Me pague 5.000 ienes por semana e eu fico quieto sobre isso.”
“Ok.”
Eu realmente não deveria ter contado isso à eles. Logo após essa conversa inacreditável e revelações indecentes da minha parte, a aula começou de verdade.
“Então, Ridou-chan, Shouzo-chan, o assunto da aula de hoje é Mecânicas do Tempo I. Algum de vocês dois tem algum palpite sobre esse assunto?”
“Gasta-se menos energia viajando para o futuro do que viajando para o passado?”
“Por que?”
“Porque o fluxo do tempo é progressivo, não regressivo?”
“Sim, exatamente?”
“Por que estamos falando no interrogativo?”
“Porque você não tem certeza do que fala, Ridou-chan?”
“Ah, perdão.”
“Algo mais?”
“O tempo não existe de verdade?”
“Como assim?”
“Ele é só uma sequência de fatos, então “viagem no tempo” é a mesma coisa que viagem nos fatos.”
“Não está errado, meu jovem pupilo.”
“Mas também não está certo?”
“Falta só uma informação.”
“Qual?”
“Possibilidades de mudança nos fatos. E, de acordo com a sua teoria de fatos, não seria possível viajar para o futuro.”
“Então qual é a teoria mais correta?”
“O tempo é algo que realmente existe.”
“Então como que a minha teoria não está errada?”
“Os fatos são uma ramificação do tempo, de certa forma.”
“Ah, compreendo. O Multiuniverso é uma explicação para a existência do tempo.”
“Não só o Multiuniverso, mas o Vórtice Paradoxal comprova isso.”
“Como assim?”
“O Multiuniverso é um meio de viajar no tempo e nas dimensões. Mas ele é impreciso e arcaico. O Vórtice Paradoxal é um meio mais rápido e preciso de se viajar no tempo.”
“Vórtice Paradoxal?”
“Viagem no tempo é algo que não deveria existir, não é mesmo?”
“Faz sentido. O meio de fazer a viagem no tempo é o paradoxo por si só.”
“Exatamente, Ridou-chan. Shouzo-chan você está entendendo?”
“De alguma forma, sim, velhote.”
“Eu sempre achei que o tempo era uma ilusão da mente humana, Gen-chan.”
“Inicialmente, ele era. Até que a crença e a necessidade de realmente existir o “tempo” fez com que ele de fato existisse. A era cujo nome é “Milênio Perdido” viveu sem uma verdadeira crença no tempo. Não se sabe muito sobre isso, porque, como diz o nome, é uma era perdida.”
“Interessante... Realmente interessante.”
“Ah, saiba que é proibido tentar viajar pra essa época ou até mesmo estudar sobre ela.”
“Por que?”
“Por que, é? Não sei, não quero saber.”
“Ah, é aquele tipo de coisa, é?”
“É, do tipo “se eu me meter mais nisso, vai ser um saco’”
“É, disso eu entendo.”
“Você é Ph.D em Metodologia da Vagabagundagem, Shouzo.”
“Nunca pensei que veria você falando isso pra outra pessoa. Sério.”
“Pra falar a verdade, acho que nem eu esperava falar isso pra alguém. Na minha vida inteira.”
“Isso pode causar um paradoxo, Ridou-chan...”
“Gen-chan... Até você...”
“A vida, Ridou-chan... Ela é um mar de espinhos cobrindo um mar de rosas. Você vê o paraíso, mas ele não pode ser tocado... E quanto mais perto você chega do paraíso, mais você se machuca...”
Esse clima de companheirismo entre homens, que só o Gen-chan sabe criar, sempre é um prólogo de algo extremamente escroto ou ruim. Da última vez que eu me senti assim, eu contei que roubei duas calcinhas da Yukiko (vulgo, agora há pouco). Não gosto desse sentimento, mas...
Essa é a vida.
Não há como negar: a coisa mais bela que existe é o companheirismo e a confiança entre homens. Aqueles que traem isso são piores que o lixo. São a escória entre a escória da sociedade. Aqueles que usam do companheirismo ao seu favor, em uma rota de mão única, devem ser punidos e devem queimar nas chamas do inferno. Por que? Porque sim.
Surpreendentemente, naquele dia, a aula continuou de uma maneira que eu não esperava continuar. Ela parecia uma aula normal. Ah, correção: uma aula normal nos padrões do Gen-chan.
Aprendemos um pouco mais sobre as mecânicas do tempo e sobre alguns tipos de paradoxo especialmente raros.
Logo após sairmos da sala, eu e Shouzo avistamos aquele lixinho impaciente do Tokuro andando com uma garota. Eles pareciam estar tendo aquelas discussões onde o cara é um escroto e a garota quer ajudar o cara o máximo possível. Clássico de comédias românticas.
Obviamente, eu e Shouzo decidimos seguir os dois. Discretamente, como todo bom ladrão de fantasia medieval.
Me pergunto se fazer esse tipo de coisa de coisa realmente é correto... Quero dizer, vigiar a vida pessoal de alguém é algo muito sujo e podre. Coisa de gente que não tem o que fazer e não consegue ficar quieto. Mas, mesmo que eu não goste de fazer as coisas, não quer dizer que eu não me interesse pelas mesmas. Ser vagabundo de corpo e ser vagabundo de mente são coisas extremamente divergentes. Nos dias de hoje, os vagabundos de corpo mandam nos de mente. Um grande exemplo disso são as guerras que eclodem por todo o mundo. Quem luta e faz a guerra de verdade são os vagabundos de mente, enquanto os vagabundos de corpo mandam em tudo e não sujam suas mãos nem um pouco. Não diretamente.
De qualquer forma, eu percebi que tinha duas pessoas nos seguindo. Eu finjo que estou limpando meu ombro e olho rapidamente para trás. Vejo uma silhueta muito parecida com a da Yukiko e da Misaki. Falando a verdade, não há sombra de dúvida. Eu reconheceria aquela cintura em qualquer lugar, qualquer circunstância. Sério.
De qualquer forma, todos nós (perseguidos, perseguidores e perseguidores de perseguidores) entramos numa lanchonete. Eu e Shouzo decidimos por nos sentarmos à uma distância média dos dois, como sempre, e no ponto cego do Tokuro. A Yukiko e a Misaki se sentaram no banco atrás de eu e o Shouzo.
Quero dizer, vocês duas pelo menos estão tentando fazer isso direito?
Então, nós começamos a ouvir a conversa dos dois.
“Só me deixe em paz, Liz.”
“Kyou-kun... Você sabe que eu te esperarei.”
“Você não precisa me esperar. Falando a verdade, você já deveria ter trocado de parceiro. O pacto que fizemos não era permanente e eu te causei problemas demais.”
“Eu não ligo, Kyou-kun!”
“Pare de mentir, Liz.”
Dito isso, ele saiu da lanchonete.
“Ridou, você acha que nós devemos fazer alguma coisa?”
“Isso vai contra o nosso código de honra, Shouzo.”
“Mas...”
“Se ele é um lixinho que não consegue se perdoar diante de uma garota implorando pra ele ficar perto dela, o problema não é nosso.”
“É verdade...”
“Você tem que desistir de tentar ser o vagabundo de mente, meu caro. Não vire um bolo de carne ambulante, por favor. Você é um vagabundo de corpo e isso jamais mudará.”
Eu senti uma aura de sadismo atrás de mim. Eu sabia que no dia em que eu me desculpasse pessoalmente com a Yukiko, meu corpo (leia-se orifício anal) não será perdoado.
“É verdade, Ridou. O problema é dele.”
Eu senti uma dor inexplicável nas costelas. Não exatamente nos ossos, mas na carne. Era como se eu estivesse sendo torturado pela inquisição. Esse tipo de dor só pode ser provocado por uma pessoa... Aquela pessoa... A única pessoa que eu achava que não falaria mais comigo (tirando algumas garotas que eu tentei espiar debaixo da saia, no fundamental)... Sim, Kuromi Yukiko!
Eu olho para o lado, e vejo o Shouzo levando um mata leão. O quão brutal isso pode ficar?!
“Ridou, eu não gosto de homens que viram as costas pra quem precisa~”
“O problema é seu, não é mesmo, Yukiko?~”
“É meu e seu, Ridou~”
“Prefiro ir pro inferno, Yukiko~”
“Ajude ela junto comigo ou sofra as consequências~”
“Quais consequências? Eu vou ter indenização, não é mesmo?”
“Eu vou cortar seu saco, Ridou~”
Nesse momento, ela começou a apertar ainda mais forte. Eu desisto.
“Ai! Tá, Yukiko. Deixa que eu e o Shouzo fazemos isso sozinhos. Vocês duas só iriam assustar aquele escroto do Tokuro, não é mesmo, Shou...”
Eu olho pro lado e o Shouzo está nocauteado. Sinceramente, qual é o problema dessas duas?!
“Se você prometer pela sua alma, eu deixo você fazer sozinho.”
“Tá, eu prometo pela minha alma.”
Com isso, eu levanto da minha mesa, pensativo. Por que a Yukiko faria contato comigo? Com qual propósito? Quero dizer, o propósito que ela me apresentou era fraco demais. Inconvincente demais.
“Yukiko... Por favor, não fale mais comigo...”
Um olhar aparentemente triste tomou conta do rosto dela. Mas até eu ser forte o suficiente pra proteger ela e fazê-la feliz, não serei digno de trocar palavras sérias com ela.
“Se é isso que você quer...”
Isso me pegou completamente desprevenido.
“...Até eu ser forte, bom e gentil o suficiente pra ficar do seu lado.”
O sorriso dela, nesse exato momento me deixou um pouco surpreso. Isso vai muito além das definições de tsundere. Ou qualquer tipo de dere. Ela conseguiu criar um novo tipo de definição para personalidade. Maravilhoso.
Falando a verdade... Isso tudo realmente não combina comigo, mas, eu não aguento ver o rosto triste dela. Ela realmente é a única pessoa que eu não consigo dizer “o problema é seu”. O jeito dela lidar com as coisas, o jeito dela ver as coisas me deixa perplexo e extasiado. Eu não consigo ignorá-la. A surpreendente inocência nas palavras e gestos dela em momentos críticos como esse pode ser considerada como motivo disso tudo. E, apesar de tudo, eu sempre deverei a minha vida para ela.
Eu tenho a filosofia de nunca me sentir culpado ou não me odiar. Isso afeta meus pensamentos. Mas, essa garota, Kuromi Yukiko, em um mês de convivência comigo conseguiu a façanha de fazer eu me odiar. Me odiar pelo fato de que me tornei um vagabundo de mente, em relação à ela.
Tendo arrumado toda a minha bagunça emocional e social, eu rumei à mesa da tal Liz.
“É... Olá.”
“... Olá. O que você quer?”
“É... Eu ouvi a conversa que você teve com aquele cara que acabou de sair...”
“Ah, aquilo... Não se preocupe.”
“Eu quero te ajudar, de certa forma. Sei como é não se perdoar por algo que já foi esquecido e perdoado por todos.”
Isso, drama e compreensão sempre são e sempre serão aliados!
“Ah... Ele se chama Tokuro Kyousuke. É meu noivo desde que temos 4 anos de idade, por interesse dos nossos pais, mas eu acabei me apaixonando por ele... Ano passado, ele cometeu um erro que acabou criando um paradoxo não muito fácil de se reverter... E por isso foi pra classe do Houdo Gentarou-sensei”
Ah, entendo. Esse escroto é do tipo de faz a merda e corre da responsabilidade. Além do mais, porque todas as garotas bonitas dessa escola já têm noivo?
“E acabou parando na classe do Gen-chan.”
“Gen-chan?”
“Eu tenho aulas com o Tokuro-san. Ainda estamos no segundo dia, mas ele não ficou nem um período inteiro em sala. E tem uma relação de raiva com o Gen-chan, nosso professor.”
“Ah... Entendo. Meu nome é Elizabeth de la Riverie. Prazer em lhe conhecer....”
“Akashiro Ridou. Você é estrangeira, é?”
“Minha família é metade francesa e metade inglesa, mas eu nasci aqui.”
“Ah, compreendo. De qualquer forma, eu vou tentar te ajudar.”
Até porque, minha cabeça rolará se eu não o fizer.
“É errado aceitar a ajuda de um estranho...”
“Não se preocupe. Só quero um ambiente melhor na sala de aula. Não é bem como se eu estivesse fazendo isso por você.”
“De qualquer forma, se algum dia você precisar de alguma ajuda com alguma coisa, eu estou à seu dispor.”
“Ah, não é preciso, Elizabeth-san. De qualquer forma, é melhor eu ir pro dormitório.”
E assim, meu dia e o do Shouzo acaba. Quando eu voltei pra nossa mesa, as duas sadistas já tinham ido embora e eu tive que carregar o Shouzo por todo o caminho. Sem homossexualidade, é claro.
Ter que ajudar aquele escroto vai ser chato, mas, fazer o que, não é mesmo?
A vida é assim, e às vezes, tudo vale a pena. Depende da perspectiva.
Tag der Veröffentlichung: 07.01.2014
Alle Rechte vorbehalten