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Lilian Reinhardt


LANTERNA DE VAGA-LUMES


POEMAS


A meus pais
Edgard e Hilda
(em amada memória)


A meus irmãos
Maria Lúcia, Luiza Francisca e
Jorge Luiz


Lanterna de Vaga - Lumes


Talvez não ilumine o mundo
mas ilumina o coração
não tem a energia dos faróis
nem dos gases em combustão
mas guarda o relicário da verdade
gotas de luz
alma em botão
Lanterna de Vaga-lumes
sempre acesa
na escuridão


Poema das águas


Água pura
cristalina
sereno
orvalho
neblina
hálito da noite
ainda menina
lava os pensamentos meus
Águas das bicas
das cachoeiras
das fontes
das enxurradas
limpa as minhas madrugadas
Água-chuva
Chuva-água
no poço fundo encontrada
água nos velhos telhados pousada
branca do céu caindo
escreve na vidraça empoeirada
que o tempo ainda não é findo
Água impetuosa
nos braços do vento agitada
corpo dos mares
dos oceanos
explica aos que não entendem
que entre as águas
não há enganos
Fio d'água turva do caminho
é água das grandes águas


Oleiro à Beira D’água


E ele segurando entre as suas
as minhas mãos assim me dizia
- Para oleiro a sua vida é o barro
e o barro é a sua vida
A argila é a massa do mundo
e o mundo
uma grande massa de argila
Com ela e com suas mãos
é possível moldar as formas
sentir a textura dos grãos
abrir e rasgar a pedra
percorrer o mistério dos relevos
romper arestas
singrar topografias..
Ouvir o canto profundo dos oceanos
alcançar pelo degredo
o cume das montanhas.
caminhar com o coração
pela escuridão dos vales
e assim galopar os ciclones da alma
O seu olhar nunca se congelará
porque as mãos do oleiro dançam
sobre a massa que modela o informe
e o silêncio é sempre sentinela
à auscultar o murmúrio sibiloso do regato
E nesta compulsão
da argila e sua escrita
mesmo que as sombras cubram o sol
ainda assim guardará
todo o universo refletido


Ânfora

Guarda o teu perfume
o teu bálsamo
o teu peso a tua leveza
que sob a escuridão
sob o lodo fértil do Nilo
Lótus é brancura
Embalsama os teus lírios de pó
aquele que realmente te busca
e guarda sob o cristal dos olhos
no invólucro do tempo
o afago e a adaga
do arco-íris que te sangra


Desnuda-te aquele que te vê
e somente comunga com teus altares
e não te supõe em vis mares
porque conhece teus desejos
e sabe que nunca assaltaram a aurora
Revela-te a quem te quer em silêncio
e entre as acácias douradas
te suplica
a flor dos teus seios de argila
És serva a tua pena
é de MAAT


Artesania


Na olaria a ânfora
silencia sobre o trabalho do oleiro
O oleiro simplesmente molda
o cheiro forte da terra
e guarda nas mãos o vértice
dos grãos
O oleiro simplesmente projeta
sobre o cálice a geometria da cruz
e marca a boca da taça
com o vinho do amanhã
insondável
Suas mãos deslizam sobre as travessias
sobre os poros e os cabelos do pó
suas mãos retém as partículas da argila
e assim a ânfora guarda do oleiro o pensamento
do coração os sentimentos
da profunda noite a escuridão do olhar
do amor as ciências o fermento
o tormento das vinhas


Casa - Alma


Minha casa-alma me habita
e me percorre no mistério
dessas colinas
Quando a noite chega
recolhe-me
e assim sou recolhida
pelo sudário da neblina
Na escuridão dessa viagem
só os ocos silêncios
fazem a liturgia
enquanto meus pés
descalços sentem o torpor
das folhas salpicadas
que se escrevem.
Mas quando venta
empoeiram-se os manuscritos
e lavam-se sob o orvalho


Nesta casa-alma de prenhez
e tormentos sem atalhos
os pássaros fazem aconchego
entre os esconderijos
das ramagens
Minha casa-alma a noite
é assim este estranho ninho
coagulante de suores
de verdes dores selvagens


Do barro do teu barro


Do barro do teu barro
o aroma de todas as coisas
a volúpia os caracóis
os pomos maduros da carne.
Do barro do teu barro
o velho escultor de sementes
sob a luz e o cinzel da alma
entalhou a nudez do crente
No barro do teu barro
arrebentou-se a semente
a dor pariu-se
e o amor como metamorfose
fez-se obra em sarça ardente


Antes que seja tarde


Como as águas lavam as pedras
e a noite emerge por entre as estrelas
preciso de ti
Embala-me com os teus ritos
acolhe-me para além dos gritos
de branco linho é o talhe
Faz do ouvido a concha
a ouvir o canto dos ninhos e
aprender com os passarinhos
antes que seja tarde
Como a luz amanhece o firmamento
transformando em favos o tormento
e em hostes a saudade
preciso de ti sem alarde
antes que seja tarde


Minha Aldeia


No vitral do mundo fundem-se as montanhas
Mas, a minha aldeia por onde caminho
me habita e me acompanha
As areias povoam-se, as soleiras revestem-se
de musgos e liquens
mas eu me singro pelos rios
nas raízes dessas veias
barcas da minha aldeia
Toda a palavra pode flanar como folha
ao vento sob a dobra dos juncos
mas só no corpo da minha aldeia
filtra-se a água da alma do meu silencio
quando pousado o coração
o sangue escorre a velada saudade
e chora a fugacidade do jasmim e do sal
na eternidade do agora
do barro deste chão


Crias/ Tabula

Abri portas sob os celeiros
cozidos de sal
Extrai desse cheiro de pó
o fel das crinas
de ninhos empalhados
Recebi dos deuses como óbolo
a patena a loucura
e uma suave amargura
de levitar
o corpo sobre a arena
Entre as feras de mim
deixei-me a parir
e entre crias açucenas
sob o quintal e o mural
grafitei-me para o anoitecer
Na redoma da pele
auscultei na alma os oráculos
e sangrou-me com água escura
um gélido vento dos tabernáculos
nuances de sombras
caracóis de arlequins
E assim cumpriu-se


MORADA DE VAGA - LUMES


Fagulhas do paiol
no dorso negro do céu crepitam as lavas
No coração triste do caboclo
o palheiro acende e apaga,
os vaga-lumes do tempo de sua morada

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Tag der Veröffentlichung: 30.11.2010

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