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SE A PALAVRA É ANDANTE...TODO POEMA É PEREGRINO


Claro com certeza
como o sol não vai esquecer de mim ou de ti amanhã
depois da caminhada da noite da alma do poema
e se palavra é esse apascentamento
que delira o rebanho do verbo
e enlaça e laça e tudo desentranha
ávida buscadora é trapezista
que veste e traja a pele do verso/ dos opoentes
e desbrava
deslocando o olho do céu nas vias do mundo
a palavra não faz conta
mas quando ajoelha faz de conta e recria os salmos
como os peixes como as pedras...
e se retirante
se andante em mim
em ti
todo poema é peregrino!


UM PÉ DE POEMA

Vou plantar um pé de poema
já esterquei a cova
fiz desova com minha pena
já arregacei os baldes da manga
fiz descarrego das veias
assim planto esse pé de poema
no canteiro do agora
crivo nos cravos dos olhos teus
Bordarei sem palavras esses teus umbigos
adejarei borboletas
além do ventre desta aldeia
Já reguei das bilhas
borrifei as calhas com água benta
nas asas do verso o ácido da placenta
a terra bebe o córrego
fio d'água te escorre eternidade!


CASA-ALMA

Minha casa-alma me habita
e me percorre no mistério
dessas colinas.
Quando a noite chega
recolhe-me...
e assim sou recolhida
pelo sudário da neblina.
Na escuridão dessa viagem
só os ocos silêncios
fazem a liturgia
enquanto meus pés
descalços sentem o torpor
das folhas salpicadas
que se escrevem.
Mas, quando venta
empoeiram-se os manuscritos
e lavam-se sob o orvalho.
Nesta casa-alma de prenhez
e tormentos sem atalhos
os pássaros fazem aconchego
entre os esconderijos
das ramagens.
Minha casa-alma a noite
é assim este estranho ninho,
coagulante de suores
de verdes dores selvagens!


OLEIRO À BEIRA D'ÁGUA

...e ele segurando entre as suas
as minhas mãos, assim me dizia:
Para oleiro a sua vida é o barro
e o barro é a sua vida!
A argila é a massa do mundo,
e o mundo...
uma grande massa de argila!
- Com ela e com suas mãos
é possível moldar as formas
sentir a textura dos grãos
abrir e rasgar a pedra
percorrer o mistério dos relevos
romper arestas

singrar topografias...
Ouvir o canto profundo dos oceanos
alcançar pelo degredo
o cume das montanhas...
caminhar com o coração
pela escuridão dos vales,
e assim galopar os ciclones da alma!
O seu olhar nunca se congelará
porque as mãos do oleiro dançam
sobre a massa que modela o informe;
e o silêncio é sempre sentinela,
à auscultar o murmúrio sibiloso do regato.
E nesta compulsão
da argila e sua escrita
mesmo que as sombras cubram o sol
ainda assim guardará
todo o universo refletido!


DAS ESSENCIALIDADES

Essencial é guardar nas mãos
a brancura dos ossos do poema
reabrir a clave de sol
das vértebras da manhã nascente
e recomeçar de novo
o verso líquido do beijo
além do tempo
O essencial é a verdade
além das letras
da palavra aleitada
seiva de puro tom
palavra vestal
fome e sede da árvore nua
o verbo não esconde o Ser da verdade
que lhe sopra a vida!


ESPUMA E SOMBRA

. ...em única morada nos ouvimos e nos habitamos...


De onde vens palavra minha?!
Para onde vais?!...
Espuma e sombra sob os véus
reluzes e sombreias a minha prancha
doce é o enlevo do teu beijo
e formosa a composição de tuas formas
De incenso é a tintura de teus sons
mas a sombra não descalça os teus pés
nem o plasma de tua boca
nem este enredo da asa de teu verso
Mas meiada de teu rochedo
em meu sonho
e plasma aceso em mim neste vaso
me alcovas com tua luz e me esparge
Ainda ontem te colhi flor
do meu sal!

RENASCENTE
Renasço sempre renasço
verbo da terra
sou fungo das
minhas povoações
o mundo me arrasta
o caudal
minhas vestes me guardam
a extensão
a debulha me acrescenta
me subtrai me rasga os grãos
mas as sombras que me revoam
que me projetam
me dizem
da tua eternidade
as sombras me dizem
da tua luz marinha
do teu silêncio das tuas
constelações pelos caminhos
das longitudes
e das latitudes da árvore
e de seus ossos
renascentes


FLORES DO TEMPO


Tenho apenas essas flores do tempo
flores do agora
guardo apenas esses sorvos da hora
mas o infinito recurva-me os horizontes
e floresço também com esses olhos
nas pétalas dos teus
pelos domos salgados
nos lírios dos teus montes
tenho apenas essa vírgula
essa vigília
esse pouso essa colméia
esse vitral guardado
esse ponto ensimesmado
peregrino
sobre as sombras de todas as coisas


ESBOÇO


Onde vou
com o esboço dessas estradas?!
Calo-me
sangras as minhas margens com teu escaldo
arrebenta-me a agonia de teu húmus
os charcos dos meus ossos
deliram as pedras dos meus pés
Deixa-me respirar a manhã que fia
entre os alvéolos a minha salga
as tuas linhas espigam dolorosos silêncios
enquanto vaza o sangue do rio...
Ontem haviam peixes lume e fonte!


RÁ_MA


Meus olhos perdem-se
nesses teus campos
de magnética força,
avessos diáfanos explodem
das sombras.
O teu manto
de luz me envolve
rabisca esse meu
frio de suor.
Suavemente
te escrevo com
meus lábios
nessas páginas
secretas
do meu corpo,
oh guardião de mim!


EM TEU CORPO

Ressoas na argila
no deserto da lâmina
a nota secreta
clave maior da oração
no uivo da loucura insana
nas sílabas da claridade
na verdade das águas do fôlego
das raízes da cidade adormecida
Quando se recriam as tuas palavras
se recriam as folhas
multiplicam-se os peixes
e vazam as cores do teclado
de tuas mãos
Água e luz recriam os verbos do chão
se me tomas em teu corpo
reconhece-me
Quando lótus teima em florescer
esgarça as águas do rio


FILHOS DOS GIRASSÓIS


A quem amai?
Vosso espírito se desnuda
ante a célula e a madeixa...
em flor abre-se o cálice de vossa queixa,
a quem procurai?


Vi a sombra lambendo a pedra
o sol e o sêmen no portal
como um grande enlevo
um selo guardado
um ósculo marcado...
na esteira do horizonte
postam-se à mesa os jarros
líquidas sombras
filhos dos girassóis
a quem verdadeiramente amai?!


CRIAS/TABULA


Abri portas sob os celeiros
cozidos de sal
Extrai desse cheiro de pó
o fel das crinas
de ninhos empalhados
Recebi dos deuses como óbolo
a patena a loucura
e uma suave amargura
de levitar
o corpo sobre a arena...
Entre as feras de mim,
deixei-me a parir
e entre crias açucenas,
sob o quintal e o mural
grafitei-me para o anoitecer...
Na redoma da pele,
auscultei na alma os oráculos
e sangrou-me com água escura
um gélido vento dos tabernáculos
nuances de sombras
caracóis de arlequins
e assim cumpriu-se...


ÂNFORA


Guarda o teu perfume
o teu bálsamo
o teu peso a tua leveza
que sob a escuridão
sob o lodo fértil do Nilo
Lótus é brancura
Embalsama os teus lírios de pó
aquele que realmente te busca
e guarda sob o cristal dos olhos
no invólucro do tempo
o afago e a adaga
do arco-íris que te sangra
Desnuda-te aquele que te vê
e somente comunga com teus altares
e não te supõe em vis mares
porque conhece teus desejos
e sabe que nunca assaltaram a aurora
Revela-te a quem te quer em silêncio
e entre as acácias douradas
te suplica
a flor dos teus seios de argila
És serva a tua pena
é de MAAT!


ARTESANIA


Na olaria a ânfora
silencia sobre o trabalho do oleiro
O oleiro simplesmente molda
o cheiro forte da terra
e guarda nas mãos o vértice
dos grãos...
O oleiro simplesmente projeta
sobre o cálice a geometria da cruz
e marca a boca da taça
com o vinho do amanhã
insondável...
Suas mãos deslizam sobre as travessias
sobre os poros e os cabelos do pó...
suas mãos retém as partículas da argila
e assim a ânfora guarda do oleiro o pensamento
do coração os sentimentos
da profunda noite a escuridão do olhar...
do amor as ciências o fermento
o tormento das vinhas!...


CÁLICE


O que guarda o cálice?
- Marcas da boca.
O que oculta o cálice?
O enredo das roupas
a sonoridade do cristal das notas
o dilúvio das rotas
os aluviões da alma...
Braços em taça
na linha do horizonte se desenham os traços
da raça
e em espirais dançam
as suas sombras sobre os montes.
O cálice carrega o vinho da cruz
na latência das verticais e horizontais
o degredo,
a fome da carne e da luz!


CEIA

Quando um bocado de vinho é servido
cantam as pitonisas seus levedos
e salmodiam fervuras e lassidão
Recendem os vasos de alabastros
sob a curvatura de cedro da abobada,
a sumo de pomares
A alma sonha incensos
e tem fome de sua côdea de pão
A partilha pode ser apenas um tênue fio que
a aranha traça
quando o fôlego acende ao sorvo
velando a graça,
e as sombras se esbatem em óleo e peixe
sob a vidraça das mãos...
Toda ceia apenas cumpre o legado de um deus
que se partilha e se faz tangível
sob a aspereza do fragmento
como a luz em Rembrandt
é Logos-sentimento
em Goya é estilhaço
e o silêncio e a poesia de Caeiro,
em Pessoa é ovelha,
apascentamento...


ATRIUM
"...os barcos navegam ...os peixes do rio saltam diante de Ti...Teus raios se infiltram nas profundezas do mar..."
(versos de Amenófis à Aton)


No especulo do grande vitral
o Átrio onde gravitam
pelas abobadas
esferas de letais rastros
vergam-se os escaravelhos
rolando os sóis-astros
enquanto a luz reescava-se mumificada
pelos véus da argila.
Em conchas de fumaça
fervem os redemoinhos da alma
e o corpo trescala o bouquet sob o esterco
de pétalas nacaradas
O coração e os ossos só podem ser lapidados
pela graça
enquanto ruge a fera
da gota na taça
O escaravelho renova o sol
girando-o a cada dia
sob a pálpebra do horizonte!


ADIÇÃO SUBTRAÇÃO E POEIRA


Entre os dedos seguro as rédeas
do meu universo!
Frágeis aderências suspiram
nos meus vasos canopos
talvez estafetas
entre as borboletas
desses versos.
Adiciono, subtraio
e quanto mais acrescento argila,
mais a massa retrai e desmaterializa.
O pó volatiliza enquanto forma não modelada.
e calcinante esta poeira
sempre volta à estrada.
Onde v. poeira?!


POEMA DAS ÁGUAS


Água pura
cristalina
sereno
orvalho
neblina
hálito da noite
ainda menina
lava os pensamentos meus...
Águas das bicas
das cachoeiras
das fontes
das enxurradas
limpa as minhas madrugadas...
Água- chuva
Chuva-água
no poço fundo encontrada
água nos velhos telhados pousada
branca do céu caindo
escreve na vidraça empoeirada
que o tempo ainda não é findo!
Água impetuosa
nos braços do vento agitada
corpo dos mares
dos oceanos,
explica aos que não entendem
que entre as águas
não há enganos
Fio d'água turva do caminho,
é água das grandes águas!....


CAMINHANTE

Venho de caminhar léguas
e guardar na constância da poeira
as areias brancas do meu pão
Venho de recobrar da espuma do tempo
meus olhos de nuvens
de me perguntar sempre, inutilmente
por que estes séculos em mim
conduzem-me sempre para o mais
ermo
e as noites são como uma látega
mancha
que me tinge a boca da alma
na habitação da carne
sob o sabor dos véus
da vida e da morte que me caminham
e que tenho sempre os pés descalçados
nesta morada invisível do meu sentir...
Venho e sempre vago como sou
caminhante por dentro
translúcidos ossos
ao vento!...


FACE A FACE

(Cantar me enlouquece)
Tagore

E, dizia -me
mirando as olheiras do mar:
- Face a face vazam os jarros
a botija ferve e derrama-se

Os turíbulos quebram-se
lá fora não te encontro minha canção...

- Que contempla a tua face,
esta face que me seduz
esta face que reluz,
que veladamente te ilumina?

Meu olhar em espiral,
redoma lenda a pena
,
contempla a miséria e a grandeza do sonho
o vôo livre da íbis branca
a navalha repicando o prumo
desfiando no teclado das horas o rumo
o cismo da fome a garganta do abandono...

A boca do céu queima as línguas
dos teus verbos salgados de outono.

No quintal do céu
queimam-se os pássaros

Na prateleira secam os vasos
mil folhas escondem os rastros
de mirra ferem-se e trescalam os cascos
das míriades dos olhos do vento!


Esta face dói oculta
voz de sombra e ironia
sempre como uma quimera insepulta
desnuda a fera na roda de Íxion
a tua sombra no Oráculo
teu eco teogonia!


ESTA CANÇÃO

...nenhum artífice conhece toda a Arte...
(instruções de Ptah-hotep)


Canto sob o papel de arroz...
entre as mechas dessas cortinas
é incenso o cio da luz
sob o tabernáculo da neblina
tudo me é espuma aos sentidos
acústica de silêncios
os alaridos
porque o sol daquele que
não te conhece está no ocaso
mas, o do que te conhece
brilha incessantemente
porque Hórus abre
os seus olhos!
Sob os véus
no colo sagrado de Maat
grita um bando de íbis brancas
sob a face irrevelada.
O santuário pode estar envolto
em trevas,
sob a pastagem da erva
do tempo
Mas o fôlego é pira!!


BAGAGEM

Só levo alguns peixes
e algum pão
Mas sobre as pedras
o fóssil da escrita do umbigo dos meus sonhos
desde o primeiro passo sob as águas
entre as algas e miras
respiro a viga
o óleo o tronco nas vertébras das raízes
As estrelas marinhas e suas sombras
os peixes como as formigas
habitam o pó dos meus olhos fundos de tempo
fecundos de ti...

Salmo Apócrifo

A tua luz hachura os meus sentidos
O meu corpo fragmento busca tuas eternidades
Entre um vale e outro se lançam as vestes
e as minhas asas pousam-te os lábios
Suave roçar da minha pele respinga
os lençóis do tempo da tua argamassa
As nuvens escrevem além do que o vento traça
Selada liturgia!


LÍRICA TOCCATA


porque coisas e objetos se tocam
com seus corpos como as almas... }


- Toca-me... diz a pedra à argila
toca-me com teus lírios
para que eu desperte
da minha tumba!
Tu que flexível modelas o junco
e o ensinas a entender
a coreografia dos ventos
toca-me...
- Tu que modelas as dobras do tempo
das sombras
e faz vergar a noite
sobre os ombros cansados
do peregrino e adagas
e estrelas os seus pés caminhantes
e recurvas os canteiros
de sua boca,toca-me...
- Toca-me!...


ISTO NÃO É UM POEMA PARA MAGRITTE


O poema é feito de azeite?
Me gusta levedura natural
misturo alho com leite
um céu sem continente sem novelo hibernal
isto não é um poema não é uma prosa
não é uma pátria É uma pátria!
E talvez seja uma rosa!...
Uma coxia mas nunca um tribunal!
Ou será um funeral ocidental?!
Talvez um corrimão uma demão
um par de tênis deixado no corredor
um condenado à espera da hora da câmara
um poema pode ser bem uma tentativa
uma nova nomenclatura de Marselhesa
um delírio tremens de existir
um endosso de Lombroso
ou um cascalhar de algum grafite pelos riscos deste país sem chão?
de subsistir de inexistir
de rumorejar de ser e retroceder
de retrilhar os sonidos da contramão
Um poema talvez nunca tenha a sua hora
do feijão
mas talvez possa pincelar texturas
com pátinas de gemas de tempo forçado
ainda não vivido
de amadurecer pomos de amores d'outros coalhados
no mó do gozo arrendado
Tudo talvez seja o todo num poema que seja e não seja
palavras soltas apenas palavras
sílabas mal calcinadas
sinais perdidos na estrada
só pra soprar bolhas de palavras
de Hiroshima, de sabão?!!!!


INCANDESCENTE


A taça de espumas seca o signo.
A matéria mágica dos sonhos
se molda ao pensamento.
Meus dedos cegos de luz
se alimentam e moldam a argila
e o peso do teu breu molda
a minha alma incandescente
Desde sempre moldam-se
os golpes da adaga
desde sempre as margens
e as cabeceiras das águas são moldadas
desde sempre a talha
nos costados selvagens
molda a boca a língua
do vento que derrete o tempo
da agulha que cose a pedra
e lancina a toda boca que devora


VIA ÚNICA


Pode haver um sentido
único debaixo dos pés!
Mão única? Única via, diga-me!
Contemplo teu rosto único
de totem e tuas múltiplas sombras
desenham-me esse azul único.
Nos olhos do espelho
os reflexos da cidade camuflada,
fervilham abaixo
da linha do trem,
no delta da íris,
muitas rodas de gigantes
de íxion
rodas do tempo d'água,
deste beiral incandescente.
Esse pássaro me acorda
o dia nessa roda gigante,
com suas línguas de manhãs,
em fogo e hortelã.
A cidade eclode seus mortos,
há uma cidade viva abaixo
da linha do trem,
uma cidade de poros acesos,
de membranas diáfanas,
de fósseis regenerados,
abaixo do azul
dessas manchas solares,
há escombros dessa cidade
pulverizada.
O homem chora diante
do monumento.
Mondrian decompõe
a geometria da árvore,
entre verticais e horizontais,
explodem as tangências
do arco-íris,
o ponto da abobada da
catedral, de cristal!
Essa cidade tem rosto
de tigre
gosto de sal ocidental,
esses monumentos projetam
pesadas sombras,
os moluscos reprocriam
sob a pedra
que pesa meu olhar
diante de Maat
e, não consigo carregar
o pássaro.
Maiastra de Brancusi,
canta em mim esse azul
há muitas vias numa única via,
os alfinetes espalham-se
diante dos monumentos...


ESTE NÃO É UM CANTO


Este canto ferve a semente
espirala o centeio
flama o magma
do corpo
este canto não é um canto
de azeite.
O grande rio convida
à meditação
meu véu de neblina
cobre-me o rosto
o silêncio te fecunda
em mim
o pano de fundo
é queimado,
o sudário engastou-se
sob a minha pele
d'água
a cidade morta se
engalana
com seus monumentos
de néon
mas,
a floresta respira
pelos poros da epiderme
de suas pedras.
O amor é fome desse
submerso jardim,
um vinho ácido
de ancestralidades,
na boca cúmplice
da alma
Esta ária não dói
nem um pouquinho
na flauta do tempo
das minhas vértebras.
Girassóis em golfadas
sob o vitral rodopiam
há muitas léguas
Tiro as sandálias
teu canto me embevece...
Deixa a eternidade
salgar-te.
Nada sei sobre o mar,
mas ele tudo me sabe.
Ele como tu
emerge com suas turbas
em minha alma
e apreende-me
com as crinas
de suas ondas,
de guizos e crisântemos
coroadas.
Reconhece-me
pelos pés,
sabe dos meus caminhos,
reconhece minhas ninféias
e resvala minha geografia
com seu tato líquido
de ternura.
Deixa a eternidade salgar-te
a água qual pólen
vorazmente incendeia
o torrão
nesse corpo de sal...


ETERNAMENTE


Claro que te busco
mesmo quando a noite de mim se esconde
e pincela com asteriscos duendes
as colméias do meu céu brusco
Claro que te busco
nas entrelinhas das minhas sílabas
escritas perdidas entre as nódoas
da árvore lanhada
Claro que te busco
no claro escuro das minhas raízes
além dos meus pensamentos
neste vaso andarilho de geratrizes
que acende os dias e noites
de meus sonhos pagãos
te busco sempre no altar ancestral da minha carne
nú e revestido de nenúfares em celestial canção
Sou apenas torso e composição sobre a lousa fria
que aleita o ritmo a acustica dessa liturgia
dessa busca dessa plangente melodia
na câmara ardente do gozo do coração
deste hemisfério que sangra
entre os teus rios fragmentados
Claro que te sei quando entranhado
lingan sorvo delfim
te hospedas eternamente no secreto de mim!


SÓ UM CANTO


Só um canto e a luz acordam
A orgia celeste recomeça
em minha alma agreste
Tu és a carne do meu sonho
o espaço a pausa a laceração
desse anjo demônio
dessa lousa ferida
entre essas cordas que plangem
toco-te ainda vestal
com minha saliva de vinhas
no calabouço dessa argila sangrada
Em veneno e loucura
a tua pele rasga o sal
da ancestralidade da minha


TORNO EM_TORNO


Direito e avesso
lume que evapora dos teus olhos
essa linha divisória nunca divide
O torno entorno da massa
me argila
Sou a eflúvia entrega da fiação
que te escreve nos vitrais da meação
a própria sílaba calcinada
no teu ritual de lava-pés sempre inacabado
Sou o teu lado nunca exposto
o beijo oculto que te respira
frente e verso em tua folha de rosto
sangue misturado
de ermidas longínquas
de coiotes silvados de cerrados capões
de trevas famintas de gargantas alquebradas
meu sangue verte-te ponto sideral
nestes cabelos de milho outrora verdes
em nuanças de trigais maturados
espigas debulham grãos calcinam
em pedras lavradas sulcadas pelas tuas águas
que te lava o corpo meu corpo entalhado no teu
vértice das mesmas horas cocção do mesmo breu
entre os anéis dos meus cabelos em filigranas dores anelos caligramam partículas
páginas dos teus!


FLORESCÊNCIA

Em secretas pétalas
bebo-te meu licor de centúrias
oculto-me nesse teu manto
enquanto esvoaça a brancura
e os santos choram cobertos
crivo teus cravos sagrados meus
floresce-me desejo carne das pedras
Luz em mim do corpo teu!


AMANHECENTE...


Queria passear de mãos dadas com a palavra sem conceitos
queria transformar as pedras em colméias
e gritar a Deus no céu do trovão
que o menino é sempre passarinho
e dá de beber na janela do mundo a todos os versos
até embriagá-los para
acordar como Manoel de Barros
as cores do amanhecer acordar as águas das fontes
revigorar os pés cansados dos montes
e calçar-lhes novas sandálias para não tropeçar n o zênite
levitar sobre a nomenclatura dos vermes
que esgarçam a palavra no frenesi dos abismos
dizer da alvura das tempestades além da escuridão
da gravidade da luz de todas as idades
dar de beber ao cântaro carregado de ansiedades
que fermenta as leveduras do chão
e sempre sorver de água fresca de verbos
recém –colhidos
queria assim...


MINHA LOUCA ALMA


Em que margens deixaste as tuas vestes?!
emm que boca se guardam
os teus desejos, os teus dentes?
Acaso não desconheces,
que a medida que usas para
teus julgamentos
é a mesma que primeiro te mede,
e te contém no invólucro dos ventos,
desde o fóssil do umbigo de teu tempo?!


EU DISSE DE MANHÃS


Eu disse de outros caminhos do jardim
eu disse o que ontem não escrevi
mas, deixei escrito lá sobre a
imprecisão do ossuário da lousa.
Eu disse que da lavra do arco-íris
sangram furnas de pólens
chafurdam rosais negros
bocados de palhas, riscos de calhas
e um vago rumor de cordas
de sobrevivências, de víveres
entre escorioses e pruridas ilhas...
eu disse que há guardado no caminho do agora
uma eternidade de pássaros
para em te bebendo no aguadouro de sal
te cinzelar dentro do cal da retina
dos meus olhos, indefinidamente...
e assim como disse, esqueci de dizer
sobre os canteiros
e acabei por recortar picotes dos tinteiros
e tenho que redizer do sêmen
do absoluto inominado
aquele que atravessa o vento parado
os Zéfiros de campos minados
e como dizem as línguas das manhãs em hortelã
em pó e Zeus...
antes que a lâmina do sol se ponha
bebe-te o líquen óh vida
no obituário do teu veneno!...


CAMPOS DE OUTONO

Arauto anuncia-me por favor!
O outono me vem assim causticante
ainda ontem me sentei à mesa e não o reconheci.
Diz quando posso cruzar esse
portal pesado de solitário sol
azul líquido do ocidente
Tenho os ombros demarcados,
já marquei minhas digitais na identidade
já recolhi as taxas do passaporte
carrego minhas cestas de pães cevados
como estrangeira nessa fronteira
guardo nos lençóis ainda o incenso queimado
carrego pesados jarros para entregar ao rei
mas minhas vestes já estão rotas
por onde afinal me passeiam
esses meus campos?
Rebrotam-me as ramas sou
mãe dos espinhos que me ferem.
Arauto diz que meu nome
será chamado ainda, antes do anoitecer...
Há séculos me oculto sob as fraturas
dessa argila no shekina de um tempo perdido
na fundura dessa caverna insana
há séculos seguro as rédeas dessa pauta
entre as dissonâncias das sombras que entôo...
há séculos essa respiração
o salário do sal
minha boca na tua boca...
No mesmo cálice...
teimo em pulsar!!!


IMPROVISO ( l )


A abelha faz o mel
voce faz a bomba
de papel
a vida é uma explosão
uma contínua explosão
da flor/dor
piso no meu calcanhar
explode minha partícula de sal
grito o teu nome na escuridão
teu amor me preenche
me lambuza os olhos
me salga a boca
dorme com tua dor
dentro de mim
e evapora...


RONDAS

Desde ontem quando a arca
emergiu das águas
e salvou as vozes da eternidade
que habitam e gritam na concha
da minha lâmpada
queimam meus rios em chamas
além das vestes das minhas ramas
com seus tufões que me despem em rondas
e assim desnudas gritam teu nome
no labirinto quanto te chamo
Que o amor é sarça em outra língua
além da palavra ardente...


UMA CANÇÃO DESCASCADA


É um tempo de feridas
de árvores descascadas
de troca de penas
de lava-pés!
Ontem meu pai chegou à noite
minha mãe lhe retirou as botas
e lavou seus pés na bacia com água tépida
depois descascou laranjas de umbigo para ele
Ontem, ele sentou no banco do jardim do hospital
com seu roupão felpudo descamado
olhou o céu e abençou as aves
Lá voávamos nós...alcançou-nos
com sua benção
e depois partiu!
Atravessei os infernos
com um bouquet de flores nas mãos,
cuidei para que não se despetalassem pelo caminho
as malas pesava
os pés doíam...
mas, o carrasco não as viu.
Sorte minha, sorte nossa!
Em cada árvore um ninho
até debaixo da ponte, ontem
eu vi um
Desde ontem essa argila seca
sem molde
Adiciono, subtraio, extraio...
Um busto dezenas de bustos
com seu ponto de interrogação no lugar
da cabeça e pescoço
??????????????????????????????
Na película...busto 3x4, retratos!
Sem rostos não identificados!
Essa plasticidade faz reparos de arruelas
sem Rodin. – Quem importa com a folha que cai
agora quem se importa em pisar
nas formigas que cortam
o caminho? Elas picotam espinhos ninhos!!!
A estética das coisas similares
Foucault desfocou!
Você me entende? A tarja no obituário
tenho mêdo! Salva-me!!!Tenho fé!
Vou guardar esses bustos assustados,
no armário para seca-los.
Secos como os figos talvez vasos
poderão guardar azeite
mortos secarão nas covas
em horizontais e verticais linhas de Mondrian
A água da bilha ferve e queima a pele
da galinha depenada...um cheiro horrendo...
Nas vitrines, nas ruas, na Alameda,
os cabides com seus trajes...
uma vernissage sem convites
sem elites...a praça exposta
com seus modelos...modelos e bustos!
Minha pele descasca
começa a primavera
o outono menstrua
sangro o veneno do meu sono!
Não freqüentei o exército
mas ele fazia parte das tropas de paz da ONU
no Golfo Pérsico e chorou até morrer os segredos
que nunca me contou...
Eu me desvelo sou filha bastarda
bem cedo senti o couro da pele queimada
pelo carimbo
Visto-me revisto os cabides
passaporte das minhas lides (forenses).
Estou hoje dependurada no fio de alta tensão
Como uma andorinha conhece?
Vou compor para você de traz pra frente uma prece
Esse branco e côncavo soneto sem rotas
palavras mortas
Você não me entende a língua
Na Caverna de Altamira o fogo aceso
talvez...
vou sobrevoar de novo Machu Pichu!


UMA PEDRA NÃO É UMA PEDRA


Uma pedra não é uma pedra,
é o fio da minha gravidade
que sustenta e move o pêndulo
dos corpos, na caleidoscópia grafia,
das incisões do meu olhar?!
Pedras sempre me encontram
pelos caminhos e me
sobrevoam as grotas
os ninhos pedras tem asas...
Uma pedra suspensa revoa
voa e guarda rochedos
de memórias
dos meus olhos
e se de cima me vê
me lê em épuras os meus enredos
sou goela funda cratera fera
boca aberta expelindo lavas
grave ave nave atmosférica
imensa bolha rarefeita
pés afundados nas covas
conchas do chão
pesada grávida de ar!


MUTABILE

Travessia sumidouro
fratura d'água dentirrostro
atravessa o escorso do vento
perde-se além do vidro da ilha,
escorre pela vinha dos olhos
arriba nos pássaros da estiagem
não diz a palavra caída
nem rejunta a perdida sombra
mas, se encolhe no verso vazado
recicla de azul o céu molhado de aço
dorme pelos caminhos murchos
e sob os ossos escreve
na transmigração impressentida...
a rotunda forma de bebidas quimeras
impermanência coagulada
líquido tempo vazante...
Afunda na garganta das rosas!


TANGENTIA


Na tangencia das linhas
sob o dorso coberto do dragão
o nirvana ácido
a respiração das ervas
o entalhe da audácia
terra tu me tens agora
agora nesse múrmurio do
fio d' água coagulado
na incerta substancia negra
dos meus sonhos...
no caminho das manhãs,
que se abrem e se fecham
em ausentes permanências
enquanto as nuvens se deslocam
e não decifram vôos,
e sou indefinidamente tom
e desejo absoluto!...


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Tag der Veröffentlichung: 06.03.2010

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Widmung:
Dedico aos meus pais EDGARD E HILDA em amada memória

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